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MIssa da Noite


Liturgia da palavra: Is 9,1-6; Sl 95 (96); Tt 2,11-14; Lc 2,1-14

Tema-mensagem: Nasceu-nos um Menino, do céu um filho nos foi dado para que também nós aqui na terra tenhamos a graça de sermos meninos e filhos de Deus.

Sentimento: gratidão jubilosa.

Rito: Beijo do Menino Jesus


Introdução

“Solenidade da Natividade do Senhor!” É assim que a Igreja anuncia e celebra a festa de hoje, a festa das festas, dizia São Francisco, (2C 199). Solenidade que nos reconduz à “originariedade”, à “nascividade” da vida, tão bem demonstradas neste recém-nascido: o “Menino Pobrezinho”, nascido da pobrezinha Virgem Maria, sua Mãe (São Francisco, 2C 200).


1. A longínqua promessa de um Menino que será o príncipe da Paz (Is 9,1-6)

Quem faz a abertura da celebração do mistério desta noite santa é Isaias, tido como o “evangelista do Antigo Testamento”.

1.1. Em meio à escuridão, a esperança de uma luz

Como o toar da corneta da paz, ao término de uma grande guerra, Isaías, falando desde o passado, mas em vista do futuro, anuncia: “O povo que andava na escuridão, viu uma grande luz, para os que habitavam na sombra da morte, uma luz resplendeceu” (Is 9,1).

Um pouco antes, no capítulo anterior, verso 23, já havia proclamado que estava para chegar o tempo em que “não haverá mais escuridão”. Esta fala não expressa tanto expectativas humanas, mas esperança. Uma esperança posta em Deus, melhor, no seu Cristo (o Ungido). A terra devastada e desolada, entregue à escuridão da escravidão, vê a luz: a libertação que vem de Deus. As tribos do norte (o lugar da meia-noite, da escuridão) serão as primeiras a ver a luz. Mais tarde, na Galileia das Nações, esta luz atenderá pelo nome de “Jesus de Nazaré”, Aquele que veio para ser a luz de todas as nações, povos e tribos e línguas de toda a terra.

1.2. Um menino: o príncipe da Paz

A segunda parte do texto começa dando a razão, a causa deste auspicioso anúncio: “Porque nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho, ele traz a paz nos ombros...”. Isaias nada diz acerca da origem deste menino. Diz, apenas que nasceu para nós... um menino misterioso, portanto, com um quádruplo nome. “O nome que lhe foi dado é: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros e Príncipe da paz”. Neste nome quádruplo se evoca a ação de Deus nos principais heróis do povo de Israel: no “conselheiro admirável” a sabedoria de Salomão, no “Deus forte” a coragem de Davi, no “Pai dos tempos futuros” a piedade de Moisés e dos patriarcas. E será o “Príncipe da Paz”, porque nele Deus atuará como Princípio que conduz todas as coisas à unidade, à harmonia, à quietude da consumação. Por isso, este menino só poderá ser o verdadeiro Emanuel. Emanuel é o nome de uma missão de Deus, do Pai: Neste menino Deus se tornará, com propriedade, de modo pleno e íntimo, o que Ele sempre quis ser para nós: o Deus conosco.


2. Uma Igreja de todos e para todos (Tt 2,11-14)

A segunda leitura da missa desta noite é tirada da Carta de São Paulo a Tito e começa com este belo anúncio, um verdadeiro evangelho: “A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens”. É a marca do evangelho de Paulo: “a salvação é para todos”. Longe de Paulo uma igreja de santos ao lado de outra de pecadores, de judeus ao lado de outra de gregos, de senhores ao lado de outra de escravos, etc.

O Natal, portanto, diz respeito a todos os homens e a toda a criação como um todo, uma única família, uma casa comum (Cf. “Laudato Si”, do Papa Francisco). Ou seja, a partir dessa iniciativa de Deus, o homem e mesmo as criaturas todas são re-generadas, isto é, re-criadas, a partir do alto, do espírito, da graça misericordiosa de Deus. Pois, Ele se entregou por nós para nos resgatar de toda maldade e purificar para si um povo que lhe pertença e que se dedique a praticar o bem (Tt 2, 11). É o mistério da misericórdia, da piedade (Cf. Tito 3, 5), isto é, do amor visceral, entranhado, de Deus pelos humanos. Por isso, Paulo proclama alto e bom som: “Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (2, 11).

Para participar desta re-generação ou re-criação, recebendo a salvação, isto é, a saúde, o vigor essencial da vida, o cristão precisa orientar a sua conduta, segundo a Boa Nova. Por isso, Paulo instrui os cristãos para a ética do discipulado, ensinando-lhes a:

- abandonar a impiedade e as paixões deste mundo;

- viver com equilíbrio, justiça e piedade;

- esperar, confiar, sempre, no nosso grande Deus, entregando-se inteiramente ao Senhor e Salvador Jesus Cristo.

3. Salmo (Sl 95)

Por isso, dentro desta mensagem de uma salvação para todos os homens, o salmista convida todos os povos à uma exultação festiva universal, católica, isto é, cósmica e ecumênica: “Alegrem-se os céus, exulte a terra, ressoe o mar e tudo o que ele contém, exultem os campos e quanto neles existe, alegrem-se as árvores das florestas [...] “Anunciai dia a dia a sua salvação, publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas” (Sl 95).


3. Um novo Homem no humano de toda a humanidade (Lc 2,1-14)

A perícope evangélica desta noite, tirada de Lucas, se ordena em três momentos sucessivos, mas intimamente unidos e ligados pela mesma lógica: testemunhar que Deus vem do alto, sim, mas, através do seio de Maria, irrompendo de dentro das entranhas do humano.

3.1. Nos dias e no meio da história dos homens

Lucas começa por assinalar o tempo da redenção: o império universal e a paz romana de César Augusto, um simulacro do verdadeiro reino universal, ecumênico: o Reino de Deus e da verdadeira paz, a paz do seu Cristo. A dinâmica, porém, de seu reino, ao contrário dos imperadores deste mundo, não é a da conquista e do apoderamento, mas a da humildade, mansidão e misericórdia de um menino deitado no presépio.

José e Maria vão, por ocasião do censo, de Nazaré, da Galileia, a Belém, da Judeia, “cidade de Davi”, à qual ambos pertenciam; a cidade da qual o jovem pastor, filho de Jessé, ungido rei de Israel, saiu, a cidade onde ele teve suas humildes origens. Cumpria-se assim o oráculo anunciado pela boca do profeta Miquéias, que situava a origem do príncipe messiânico em Belém: “E tu, Bet-Lehem de Éfrata, pequena demais para ser contada entre os clãs de Judá, de ti sairá para mim aquele que deve governar Israel. Remontam à antiguidade suas origens, aos dias de antanho. Por isso, Deus os abandonará até o tempo em que dará à luz aquela que deve dar à luz” (Mq 5, 1-2). O nascimento de Jesus, assim, se dá envolvido em mistério, vinculado carnalmente à tribo de Judá, mais precisamente, à ascendência davídica (cf. Mt 1, 2; Lc 3, 33; Hb 7, 14; Ap 5,5; etc.).

O nome “Belém” (Bet-Lehem) significa “casa do pão”. De fato, ali aquele que é o Pão descido do céu, o Pão que dá a vida ao mundo, o Pão da vida eterna, inicia sua bela aventura de fazer-se o Emanuel, o Deus conosco, o pão eucaristizado.

3.2. O Senhor do universo reclinado na pobreza de uma manjedoura

A sobriedade com que Lucas faz a narrativa do Nascimento de Jesus é surpreendente: “Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz seu filho primogênito. Ela envolveu-o em faixas e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na sala de hóspede” (Lc 2, 7). Os grandes mistérios, mais que amplas explanações ou extensas narrativas e discursos, precisam de silêncio, de poucas palavras, para deixar lugar e espaço para a admiração e a contemplação. Uma grande palavra exige sempre um grande silêncio e vice-versa, um grande silêncio exige sempre uma grande palavra.

O título de primogênito, remete, certamente a exigências de observância da lei mosaica (Ex 13, 2.12.15; Lc 2, 23). Mas, também traz uma sonância e ressonância de mistério. Na meditação de Paulo, Cristo aparece destinado a ser “o primogênito de uma multidão de irmãos” (Rm 8, 29). Jesus Cristo não nasce de uma semente de varão. Ele é a primícia de tudo, o segundo Adão, a raiz da nova criação, do homem novo, da nova humanidade: o “primeiro entre todos” (Cl. 1,18). Belém abriu o Éden. O nascimento de Jesus Cristo abre-nos as portas do paraíso. Ali jorrou para nós a fonte da graça que sacia nossa sede de Deus.

Assim, o primogênito de Maria (Lc 2, 7) torna-se também o primogênito de todas as criaturas (Cl 1, 15), isto é, o sentido e o fundamento do ser de toda a criação. Ele é, como dizia o teólogo franciscano João Duns Scotus, o “summum opus Dei” (a suma obra de Deus). Ora, o responsável pela suma obra, pela obra perfeita de Deus, dizia ele, não pode ser o pecado, que é um defeito nascido da criatura, mas só pode ser o amor absolutamente livre e gratuito, superabundante, sem porque nem para quê, de Deus: o mistério da “Cháris”: da graça, quer dizer, do favor livre, imerecido e indevido, da benevolência, da gratuidade e da graciosidade do Deus Amor.

Maria o enfaixa. Jesus Cristo é envolvido em faixas, para que nós possamos ser desatados dos laços da morte (S. Ambrósio). Se humilhou para que pudéssemos alcançar o bem, a integridade, como seres humanos. “Ele, sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de que sua pobreza vos enriqueça”, disse o Apóstolo (2 Cor. 8, 9).

O Filho de Deus nasce em verdadeira carne. Não se trata de uma aparência ou mera imagem. É mais que toda teofania. É Deus mesmo, “em carne e osso”, o verdadeiro Deus nascendo em verdadeira carne humana. É colocado em um coxo. “Ó admirável grandeza e estupenda dignidade! Ó humildade sublime, ó sublimidade humilde” (São Francisco, CO 26). Estava, pois, destinado a ser alimento, pão do céu, corpo da vida (S. Cirilo de Alexandria). Nasce no meio do esterco e do bafo dos animais, num estábulo, não no “santo dos santos”, no templo de Jerusalém. Nasce no meio do esterco aquele que “ergue do esterco o pobre” (Sl 113, 7), recorda São Jerônimo.

“... Não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 7). A Luz do céu posta à margem numa pousada terrena, achou apenas um lugarzinho nos fundos da pensão. Foi, é e sempre será assim: o Senhor do universo, mal tem onde nascer no meio dos homens. E quando encontrar um lugar, será sempre o último, o mais baixo como aconteceu em Belém.

O contraste acerca da acolhida do Menino – de Deus, na terra dos homens, que é a terra Dele – na cidade e na gruta de Belém é gritante: enquanto entre os grandes do mundo, os moradores da cidade de Belém, “não havia lugar para eles”, Ele encontra uma dócil, calorosa e amorosa acolhida por parte da mãe, a humilde virgem Maria “que o enfaixou e colocou na manjedoura” e os animais que habitavam aquele cenário.

Dizia Mestre Eckhart que, se um rei se casa com uma plebeia, toda a família da plebeia se torna nobre. Nós, isto é, toda a família humana, nós pobres plebeus, fomos enobrecidos e enriquecidos, nesta noite santa, pela pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo.

3.3. A alegria deste nascimento se expande, difunde e infunde

A última parte deste evangelho, mais extensa que as duas primeiras, é destinada a mostrar o verdadeiro objetivo de todo este evento: “Nas proximidades havia pastores que estavam nos campos e que durante a noite cuidavam dos seus rebanhos... Todavia o anjo lhes revelou: “Não temais; eis que vos trago boas notícias de grande alegria, e que são para todas as pessoas: ‘Hoje nasceu para vós um Salvador que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 10-11).

Frente ao mistério da encarnação todos somos rudes pastores. Frente à delicadeza e nobreza do amor divino toda nossa resposta e correspondência aparece rude e vil. Deus não despreza nossa rudeza e vileza, e vem habitar entre nós. O Bom Pastor revela a nossa vocação humana ensinando-nos a sermos pastores, isto é, cuidadores de tudo o que é, de tudo o que vive, de todo o real, de todas as realizações, de toda a realidade, enfim, de toda a Casa comum.

Os pastores de Belém fizeram o que o anjo lhes propusera. Foram apressadamente à cidade e encontraram Maria e José, e o recém-nascido deitado na manjedoura. “Depois de ter visto, deram a conhecer o que lhes tinha sido dito a respeito deste menino. E todos os que os ouviram ficaram espantados com o que lhes diziam os pastores” (Lc 2, 17-18).

Os pastores tornam-se assim, os primeiros a anunciar o evangelho. O que viram e experimentaram não puderam guardar para si, em segredo. Revelaram, comunicaram os mistérios divinos que experimentaram e testemunharam. E os que ouviram o seu testemunho se maravilharam. Eis a dinâmica da evangelização. Todos os que experimentam e testemunham os mistérios divinos tornam-se tais pastores.

3.4. O nascimento de Deus no coração

Proclama ainda nosso evangelista: “Quanto a Maria, ela retinha todos estes acontecimentos procurando-lhes o sentido” (Lc 2, 19). Em Maria vigora o silêncio, o pudor do mistério. Ela acolhe e recolhe os acontecimentos e lhes sonda o sentido. Entrelê em tudo o toque divino.

O sublime e admirável do Natal, não é apenas o nascimento de Deus em nossa carne, mas o nascimento de Deus no nosso coração, na mente, isto é, no mais humano de todo homem, não importando suas condições. Por isso, essa Noite é uma Noite feliz! Noite de Paz! De Luz! De júbilo! Reconciliação e Misericórdia.

O Natal de Deus é silencioso e sub-reptício. Ele acontece no fundo do coração daqueles que, como os pastores, são homens de boa vontade e que vigiam na calada da noite. Vigiar, significa estar atento para não se permitir a substituição do Natal do Menino pobrezinho nascido da pobrezinha Virgem Maria (2C199) por celebrações que não são Natal porque buscam apenas aparências do Natal, cerimônias sem mistério.

Que São Francisco de Assis seja nosso exemplo. Quando inventou o presépio em Gréccio, tinha em mente que este mistério fosse recordado e re-despertado nos corações dos próprios cristãos. Foi o que aconteceu. No término daquela celebração, um homem de virtude teve uma visão admirável. Pareceu-lhe ver deitado no presépio um bebê sem vida, que despertou quando o Santo chegou perto. E essa visão veio muito a propósito, porque o menino Jesus estava de fato esquecido em muitos corações, nos quais, por sua graça e por intermédio de São Francisco, ele ressuscitou e deixou a marca de sua lembrança. Quando terminou a vigília solene, todos voltaram contentes para casa (1C 86).


Conclusão

Num mundo dessacralizado, em que o homem perdeu sua vida simbólica e misteriosa, talvez seja preciso redescobrir, no santuário do fundo de nossas almas, o “meio-silêncio”, a “noite-alta”, em que o Filho de Deus quer nascer em nós. Pois, como dizia Orígenes, um dos padres da Igreja, retomado por Mestre Eckhart (Sermão 101): “em que me ajuda que esse nascimento [do Filho de Deus em natureza humana] aconteça sempre, se não acontecer em mim?” É como o nascer do sol. De que adianta o sol nascer hoje, de novo, se eu ficar trancado em meu quarto sem pelo menos abrir as janelas. Assim, de que me adianta celebrar o Natal todos os anos, se eu não abrir o coração do bem querer a geração do Filho de Deus em mim, dia após dia, sempre mais e sempre de novo?

Natal é o início da Boa Nova, do “Euangelion”, a alegre Mensagem anunciada aos pastores pelos mensageiros celestes: “Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é Cristo Senhor” (Lc 2,11). É “a festa das festas” dizia São Francisco, porque nela tem origem nossa redenção e o fundamento de todas as demais festas e solenidades.

Por isso, há algo de inaudito nesse Dia: a criação toda, os homens todos, a exemplo de Maria, engravidam de Deus. Na nova humanidade, que é engendrada hoje, o Verbo prolonga sem fim o ato de seu nascimento e, pela força de sua imersão no seio do mundo [...] toda matéria agora é encarnada... (Teilhard de Chardin).


Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini

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