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Leituras: At 12,1-11; Sl 33 (34); 2 Tm 4,6-8.17-18; Mt 16,13-19

Tema-mensagem: Que a fé dos Apóstolos Pedro e Paulo, regada a preço de sangue, reacenda em nossos corações o ardor apostólico originário de “uma Igreja em saída”.

Introdução

Celebramos, hoje, os apóstolos que nos legaram as primícias de nossa fé (Ant. de Entrada): São Pedro e São Paulo.


1. Na confissão de Pedro nossa confissão (Mt 16,13-19)

O evangelho da solenidade de hoje, tirado de Mateus, narra primeiramente a confissão de Pedro em favor de Jesus e, logo em seguida, a confissão de Jesus em favor de Pedro.

1.1. O diálogo de Jesus

O evangelho começa narrando uma viagem estranha de Jesus. Tomando seus Doze Apóstolos Ele os leva a um lugar apartado, fora da Judeia e da Galileia, para a região de Cesareia de Filipe[1]. A exemplo dos enamorados, Jesus precisava de um momento de estar a sós com eles. Ali, bem distantes das pressões que viviam na Judeia, e mesmo na Galileia, Jesus poderia fazer-lhes a pergunta mais importante e decisiva da vida deles. E, eles, por sua vez, livres e sem nenhum temor, poderiam responder-lhe o que pensavam Dele.

Além do mais, admirável é, também, o caminho, o método da evangelização e da catequese de Jesus. A modo de abelha, que vai aos poucos se abeirando do néctar escondido no coração da flor, também Jesus aos poucos vai procurando despertar e fazer arder no coração daqueles rudes pescadores e publicanos uma afeição pura e um interesse gratuito pela pessoa Dele. O segredo de Jesus é grande! Não é um “quê”, um objeto, um ideal nem mesmo uma verdade, mas um “quem”, uma pessoa: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13).

A resposta dos Apóstolos revela que eles, de certa forma, embora de coração um tanto embotado e interesseiro, já estavam um pouco afeiçoados à pessoa de Jesus. Do contrário nem sequer teriam respondido. Por isso, disseram: “Para uns, João, o Batista; para outros, Elias; para outros, ainda, Jeremias ou algum dos profetas” (Mt 16,14). Para o povo Jesus era um profeta, um dos grandes, um homem que bem se podia identificar como pertencente à linhagem e à tradição dos grandes profetas.

Entretanto, as opiniões populares não eram suficientes para que os discípulos alcançassem e acedessem à identidade do Mestre, muito menos ainda que se fizessem seus discípulos, amigos, familiares e íntimos. A confissão de fé, o acesso à verdade acerca de Jesus Cristo, só se tornaria possível quando se apartassem, se desprendessem da confusão dos pareceres, das opiniões dos homens, do mundo a respeito Dele. Por isso, logo depois segue a segunda pergunta: “Vós, porém, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15).

1.2. A confissão de Pedro

Assim, os discípulos, por si sós, não teriam jamais conseguido ver e saber quem era Jesus, esse homem com quem eles andavam e que tinham por seu mestre. Para eles Jesus seria alguém muito especial, singular, único, mesmo entre os homens que foram mais íntimos de Deus. Vislumbravam e pressentiam que Ele existia numa relação filial inigualável com Deus e cumpria uma missão ímpar, diferenciada de todos os outros profetas. E, não obstante este vislumbre, os Doze ainda não tinham alcançado uma consciência - um saber, uma sapiência – clara, nascida de uma experiência pessoal a respeito da identidade de Jesus.

A confissão de fé, como tal, ainda não podia, assim, emergir, e, com ela, o conhecimento, o acesso à verdade acerca de Jesus. Ela deveria emergir, justamente, da boca de Simão Pedro, que, fazendo-se porta-voz de todos, diz: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16). Consideremos a resposta de Pedro: Jesus é o Cristo e não um Cristo, o Ungido e não um ungido. Este “o” faz toda a diferença. Aponta para a unicidade de Jesus. Ele é o único, o incomparável, o inefável. Não se pode compará-lo com nenhum dos justos e dos profetas dos tempos passados. Em vez de ser compreendido por eles, eles é que devem ser compreendidos por Ele, como, também, depois Dele não haverá mais nenhum outro profeta, santo ou justo.

Um teólogo medieval, Rábano Mauro, considerou assim o admirável contraste nessa passagem do evangelho: o Senhor confessava a humildade de sua humanidade denominando-se a si mesmo como “Filho do Homem”[2], e Simão Pedro confessa a sublimidade da eterna divindade de Jesus declarando-o “Filho do Deus vivo”.

Por sua vez, para São Jerônimo, os homens, enquanto tais, sempre têm uma opinião mundana sobre o homem Jesus e não poderia ser diferente; os Apóstolos, porém, ao conhecerem a natureza divina de Jesus, já não são mais simples homens, mas “deuses”. Ele parafraseia a pergunta de Jesus assim: “Vós, que sois deuses, quem dizeis que eu sou?”

Essa interpretação de São Jerônimo pode surpreender, por ser insólita. Mas, não pode escandalizar um cristão, pois o próprio Pedro, na sua Segunda Carta (2 Pd 1,4) nos convida à gratidão pelo maior de todos os dons que nos foram concedidos com o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo em nossa carne: que nos tornássemos comungantes da natureza divina (2Pd 1,4), deificados pela graça.

1.3. Na confissão de Jesus a alegria da bem-aventurança de Pedro

A resposta de Jesus é muito significativa! Primeiramente, caracteriza Pedro com a mais expressiva qualificação que Ele próprio, Jesus, faz aos seus seguidores: “Bem-aventurado” (Cf. Evangelho das Bem-aventuranças). Bem-aventurado indica a plenitude da felicidade, da alegria que nasce da experiência do encontro da graça com a boa vontade. Assim, toda a vez que a graça encontra um coração bem-disposto, uma vontade firme e denodada, surge a bem-aventurança, nasce um bem-aventurado, isto é, uma pessoa feliz, realizada, plena, “satis-feita”. Era o que estava acontecendo com Pedro e seus companheiros naquele momento.

O pensador dinamarquês Kierkegaard considerava, certa vez, o sofrimento de Jesus em face aos homens que dele se escandalizavam e que não conseguiam atravessar a prova do escândalo na direção da fé. Proporcional a este sofrimento era também a sua alegria, quando encontrava um coração que se abria à fé. Ele abria os braços e dizia: “Venha a mim!” E os homens Dele fugiam, escandalizados, ou pela sua grandeza ou pela sua pequenez (pois era Deus e homem). Por isso, quando Pedro confessa Jesus como o Cristo, o Filho do Deus vivo, grande foi sua alegria em poder declarar “bem-aventurado” a Pedro[3]. A alegria era recíproca. Em Pedro, porque pela graça estava frente a frente do próprio Filho de Deus vivo, em carne e osso, e em Jesus porque estava diante de alguém que não apenas não se escandalizava, mas cria Nele, no Deus humanado.

A graça da confissão de fé, o conhecimento do mistério de Jesus Cristo como “o Cristo”, o “Filho do Deus vivo”, provinha, portanto, de uma revelação do Pai “que está nos céus”, mediante o Espírito Santo. Não procedia da “carne e do sangue”, isto é, do humano, com seus saberes e ignorâncias, com suas forças e fraquezas, com suas alturas e abismos. Eis, pois, a confissão de fé de Pedro, que será a mesma de Paulo e a mesma de uma multidão de “filhos de Homem” que, ao longo da história, se tornam, por graça do chamado-seguimento, “filhos de Deus”, “comungantes da natureza divina”: “Bem-aventurados!”

1.4. Do nome Simão para Pedro

Em segundo lugar, a graça dessa confissão de fé transforma Pedro por dentro, na raiz. Por isso, Jesus troca o nome que Pedro recebera dos homens, de seus pais e dá-lhe, Ele mesmo, um novo nome, como que dizendo: “Agora, Pedro você não é mais dos homens, mas é meu”. Se o velho nome - “Shimon” (Simão) – que significa “o que ouve”, o “ouvinte”, enfim, o “obediente”, é belo para um israelita, muito mais o será o novo: “E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.

O nome grego “Pétros”, que aparece no Novo Testamento, é uma tradução do aramaico “Kephá” (rocha, pedra) e significa, simplesmente: pétreo. Pedro torna-se pétreo para a Igreja, porém não por si mesmo, mas por estar firmado no fundamento da graça da sua confissão de fé. É essa que funda a Igreja, ou melhor, Pedro é pétreo por estar fundado na Pedra, n’Aquele que é o confessado dessa confissão: Jesus, o Cristo, o Filho do Deus Vivo.

Nesse sentido, Agostinho comenta que o Senhor não disse “tu és pedra”, mas, “tu és Pedro”. Não a Pedra vem de Pedro, mas Pedro vem da Pedra. Isto é: Simão torna-se Pedro, pétreo, graças à Pedra, que é Jesus, a “Pedra angular”, a quem ele confessou, reconheceu, como sendo o Cristo, o Filho do Deus vivo.

Isso é fundamental para entendermos o ministério petrino e a missão que o Papa tem na Igreja de Cristo como guardião da unidade dos discípulos, seguidores de Jesus. Provavelmente, foi a evidência dessa co-pertença de Pedro à Pedra, que é Jesus, que manteve São Francisco numa obediência livre e ao mesmo tempo lúcida, firme e rigorosa em relação ao Papa, num instante em que, em nome da reforma evangélica do cristianismo, muitos pretendiam e de fato, por vezes, se dispensavam desta obediência. Escreveu ele, na Regra: Frei Francisco, promete obediência e reverência ao senhor Papa Honório e a seus sucessores canonicamente eleitos (RB 1,3).

1.5. Do poder das chaves e da promessa de Jesus

Junto com o nome novo e com a bem-aventurança, é dado a Pedro um ministério (serviço) especial, expresso com a imagem das “chaves”. “Chave” evoca abertura e fechamento. Diz iniciação (entrada, acesso) e discriminação (diferenciação, discernimento). Chave abre e fecha, liga e desliga (ex.: num veículo). Ligar e desligar é como vincular, obrigar e resolver, absolver, dissolver[4]. Tanto o aspecto da abertura (iniciação) quanto o da discriminação (juízo, discernimento) remetem ao conhecimento. Era a partir daí que os Padres da Igreja interpretavam a palavra das chaves. Para São João Crisóstomo as “chaves” representam o conhecimento que dá acesso ao mistério, e Rabano Mauro como o poder do discernimento.

É graças ao conhecimento (ciência, sapiência, iluminação), expressado na confissão de fé - que provém da revelação do mistério de Jesus como o Cristo, o Filho do Deus vivo - que Pedro assumiu o primado diante dos demais Apóstolos, e, com isso, a missão de ser pastor universal, guardião da unidade entre todos os que confessam a mesma fé. Esse é o múnus (ofício, obséquio) de Pedro que foi estendido ao Bispo de Roma, o Papa, o “servo dos servos de Deus”.

A Pedro também é dada uma promessa a respeito da Igreja: “As portas do Hades não prevalecerão contra ela”. “Hades”, em grego, diz o mesmo que “Sheol” em hebraico, e “Infernus” em latim. É a força ctônica, subterrânea, da morte. É uma força que devora, traga para o seu abismo negativo, para o nada aniquilador o que é, cresce, vive na terra, da terra, sob o céu. O desafio do homem que vive sobre a terra é o de não ser devorado e tragado pelo nada negativo, aniquilador, que, na linguagem cristã, chama-se “pecado”, “morte segunda”, “inferno”; e, positivamente, de ser elevado ao “reino dos céus”, que é o reino da luz, da verdade e do amor, da plenitude do ser. O homem está, pois entre os dois extremos: o céu e o inferno. Por isso, dizia o bem-aventurado Frei Egídio, fiel companheiro de São Francisco: As graças e as virtudes são via e escada que conduz ao céu. O vício e o pecado são, porém, via e escada que precipitam o homem no inferno (DE 1).

1.6. Uma confissão que sela toda a vida de Pedro

Quem nos faz uma bela consideração acerca dessa misteriosa confissão de fé de Pedro é Bonhoeffer:

Duas vezes o chamado foi dirigido a Pedro: “segue-me!” (Mc 1, 17; Jo 21,22). [...] No centro desta vida (o chamado) estava a confissão de fé em Jesus como o Cristo de Deus. Por três vezes, no início, no fim, e em Cesareia de Filipe, a Pedro é anunciada a mesma coisa, a saber, que Cristo é o seu Senhor e seu Deus. É a mesma e única graça de Cristo que chama: “segue-me! ”, e que se lhe revela na confissão de fé no Filho de Deus (...). Foi sempre a única graça de Cristo que venceu o discípulo, induzindo-o a abandonar tudo por amor do seguimento, que operou nele a confissão de fé, que para o mundo não podia parecer outra coisa que blasfêmia, que chamou o infiel Pedro à comunhão extrema do martírio, redimindo, assim, todo o seu pecado. Pela vida afora de Pedro, graça e seguimento são incindíveis. Ele tinha recebido a graça preciosa (D. Bonhoeffer).


2. Paulo o doutor das nações (2Tm 4,6-8.17-18)

A segunda leitura é tirada da Carta de São Paulo, o “Doutor das Nações”, a seu inseparável e fiel companheiro, Timóteo.

O caminho da fé de Paulo, porém, é bem diverso do caminho da fé de Pedro. Se, para Pedro o Cristo da fé nasceu através do encontro com Jesus histórico, para Paulo nasceu de modo direto, isto é, através do encontro com o Cristo da Fé. Isso se deu em Damasco, em sua famosa viagem que tinha como objetivo exterminar os cristãos daquela comunidade.

No Evangelho, celebramos o princípio do chamado e da resposta de Pedro para ser o representante da “pedra angular” na edificação da Igreja. Nessa leitura, celebramos Paulo com o seu fim: Quanto a mim, já estou para ser derramado em sacrifício, e o momento da minha morte está iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé... (2Tm 4, 6-8).

O trecho é conhecido, geralmente, como “o Testamento de Paulo”. E a quota mais significativa de sua herança é de que a vida de um cristão vem marcada pela necessidade de um combate, uma luta até ser derramado em sacrifício, como numa libação. É nesse combate que se decide se o discípulo de Cristo se torna o que ele, por graça, já é, ou não. Para isso, o cristão tem que correr o curso da vida, com todas as suas vicissitudes e peripécias, com todos os seus reveses, passando, inclusive, pela morte, com Cristo e como Cristo.

Na segunda parte dessa leitura, tomado de emoção e de arrebatamento, diante do mistério que o acompanhou, desde sua conversão até esse momento - o fim – vai exclamando – como que saboreando - seguidamente o nome do seu “Senhor”: “O Senhor, justo juiz” [...]; “Mas, o Senhor esteve ao meu lado e me deu forças” [...]; “O Senhor me libertará...” (2Tm 4,8.17.18). E, como o arauto de uma grande luta, encarregado de anunciar a vitória final, exclama, alto e bom som: ”A Ele a glória, pelos séculos dos séculos! Amém”! (2Tm 4,18).


3. A perseguição e o martírio da Igreja (At 12,1-11)

A primeira leitura de hoje, começa anunciando quase que em tom solene e festivo: Naqueles dias, o Rei Herodes prendeu alguns membros da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João... (At 12, 1).

Lucas não apresenta nenhuma razão, como também, nenhuma lamentação diante de tamanha crueldade. A explicação é simples. Para o mundo, representado por Herodes, filho de outro Herodes, o Grande, é natural que ele deva perseguir e eliminar Aquele que o persegue e o condena: Jesus Cristo com seu Evangelho, representado, no caso, por seus seguidores, os membros da Igreja. Também é natural que essa, com seus membros, não tenha outra sorte senão a do Mestre: ser perseguida, martirizada, crucificada. Tudo, portanto, dentro de suas devidas razões. Se, portanto, o que levava Herodes a tais crueldades era agradar aos seus súditos judeus, aumentar a autoridade política dele, promovendo as tradições judaicas, para os cristãos as perseguições eram tomadas como graça que o Senhor lhes proporcionava a fim de se identificarem com Ele pelo testemunho de sua fé. Por isso, a alegria e a gratidão.

Vem, a seguir, a cena da prisão e da miraculosa libertação de Pedro (At 12,4ss). Com essa narrativa, Lucas intenciona mostrar, primeiramente, qual seria a sorte de Pedro se não houvesse, evidentemente, a providência de Deus com seu milagre. E, em segundo lugar, mostrar a grandeza do próprio milagre. Ou seja, embora os cristãos permanecessem em contínua oração era-lhes quase impossível crer naquela libertação se não o vissem com os próprios olhos e assim se fortalecessem também eles na fé em meio às perseguições que podiam, cedo ou tarde, atingir a todos e a qualquer um deles, pelo simples fato de serem seguidores de Cristo. A libertação de Pedro, era, pois, uma prova evidente do grande poder de Deus e de sua presença e ajuda aos cristãos que deviam viver no meio do mundo, com o mundo sem serem do mundo, isto é, no meio das perseguições. Por isso, Lucas termina a narrativa, pondo na boca de Pedro este admirável testemunho: “Agora sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava! ” (At 12,11).

Assim, no sucumbir da morte eles saem vencedores do bom combate. Todo cristão é chamado ao martírio – isto é, ao testemunho – ainda que de modo incruento, isto é, sem derramamento de sangue. Mas, cada cristão é convidado à generosidade de dar tudo de si, de dar o seu suor, a sua lágrima, o seu sangue, para poder testemunhar a força libertadora do evangelho da graça de Deus, como o fizeram Paulo e Pedro, em Roma.


Conclusão

A solenidade de São Pedro e São Paulo é uma das celebrações mais antigas da Igreja. Já celebrada no século IV, antes mesmo da celebração do Natal.

O testemunho desses varões ilustres, pelo martírio, da Palavra pregada, foi tal que se tornaram colunas de todo o edifício da Igreja e luminares para toda a história da “cristidade” do cristianismo. Cristidade é a fé, o vigor da afeição colhidos e recolhidos ao longo dos anos de convívio com Jesus Cristo. Ela é, portanto, a essência do cristianismo; é, enfim, o ardor do Evangelho de Jesus Cristo encarnado. Pedro e Paulo, cada um a seu modo, testemunham o fogo do mesmo Espírito que nos faz crer e crescer em Jesus Cristo e na Igreja apostólica, pois na boca deles ressoa sempre o primeiro anúncio: “Jesus Cristo te ama, deu a sua vida para te salvar e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer e libertar” (EG 164).

Seria, pois, uma grande incoerência, para não dizer uma heresia, e até mesmo uma ofensa ao seu Senhor, um cristão recusar ou maldizer as asperezas da vida e as perseguições que precisa enfrentar por causa de sua fé, venham elas de dentro ou de fora, de sua própria comunidade ou do mundo. Por isso, dizia São Francisco: Atendamos, Irmãos, o Bom Pastor que, para salvar suas ovelhas, suportou a Paixão da cruz. As ovelhas do Senhor seguiram-no na tribulação e na perseguição, na vergonha e na fome, na enfermidade e na tentação e em tudo o mais; e disso receberam do Senhor a vida sempiterna. Por isso, é grande vergonha para nós, servos de Deus, que os santos tenham feito obras e nós queiramos receber glória e honra apenas por citá-las (Ad 5).

A solenidade de hoje nos enseja também a celebração do “Dia do Papa”, o grande pai, o pai comum de todos os católiocos e, por extensão, o pai de todos os homens, representado hoje, na pessoa do Papa Francisco. Nem sempre, na história, a figura do papa foi bem compreendida e bem vivida. Quem nos dá um belo exemplo nesse sentido é São Francisco.

Admira, por exemplo, que São Francisco, diferentemente de outros fundadores de Ordens que o antecederam, é o primeiro a ir a Roma para prometer diretamente obediência, isto é, fazer sua consagração religiosa, nas mãos do Papa. Tudo isso acontecia porque Francisco, iluminado pelo Evangelho, em sua simplicidade humilde e humildade simples via no Papa o próprio Jesus Cristo. Pensava ele, então: se Jesus Cristo, outrora, se entregara ao seio da Virgem Maria, aos seus algozes na cruz e a todos nós, hoje, no pão eucarístico, também ele devia, humilde e obedientemente, entregar-se nas mãos do Vigário de Cristo, o Papa.


Notas

[1] Essa cidade, que não deve ser confundida com Cesareia Marítima, fora reconstruída pelo tetrarca Filipe, filho de Herodes Magno, que deu a ela o nome de Cesareia, em homenagem ao imperador daquele momento, Cesar Tibério. Ela ficava não muito distante (55 quilômetros) de Damasco, na Síria, ao pé do monte Hermon, e junto do rio Jordão.

[2] A expressão semítica, com efeito, “Filho de Homem”, quer dizer o mesmo que “Filho de Adão”, isto é, filho do “terroso”, daquele que é feito de terra. Assim, Deus se dirige a Ezequiel chamando-o de “filho de homem” (Ez 2,1 etc.). Diante da glória do Senhor, Ezequiel não passava de um ínfimo filho de Adão. Na apocalítica judaica o título “Filho de Homem” adquire uma conotação especial. Assim, em Daniel (7, 13), o “Filho de Homem” é entronizado pelo “Ancião” (Deus). Para o judaísmo, este “Filho de Homem” haveria de inaugurar a era messiânica e iria presidir o julgamento final dos homens.

[3] Cf. Exercícios de Cristianismo, II.

[4] As insígnias papais trazem duas chaves, uma de ouro, outra de prata, que foram, antes, emblemas do deus romano Jano (o deus da porta, de dois rostos, que olha para trás e para frente, para o passado e para o futuro – donde o nome do mês iniciador do ano “janeiro”). Chave de ouro e chave de prata, é como o acesso ao brilho do dia (que remete ao sol – ao dourado) e ao brilho da noite (que remete à prata – ao argênteo). As duas chaves, portanto, se referem ao dia (o claro, o manifesto, patente) e à noite (o obscuro, o velado, o latente). As duas chaves também remetem à terra e ao céu. Jano, o deus da porta, com seus dois rostos, trazia um bastão na mão direita e uma chave na mão esquerda. Ele guardava as portas e governava os caminhos.


Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, ofm

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