O SENTIDO DE FINADOS NA ATUALIDADE
Hoje tendemos a nos questionar afinal para que serve finados? Com qual intuito um país inteiro para a fim de ir aos cemitérios, missas e falar dos mortos?
Cada vez mais temos apresentado certo desconforto e dúvida em relação a essa data. Em geral, atualmente, mortos representam dor, tristeza, passado, pois vivemos uma realidade totalmente voltada para o presente, o imediato, onde as alegrias, as intensidades representam mais da vida do que propriamente nossas raízes.
Nesse contexto cabe considerar um risco: não morrem duas vezes apenas os esquecidos. Sem que nos demos conta, ao esquecer de onde vem nossos legados e o que nos construiu ao longo da vida, nos tornamos também uma população de vivos-mortos. Esse é um dado impactante. Acabamos nos tornando andantes sem história e sem raízes, sujeitos ao agora e a fragilidade frente as tempestades que na vida certamente, ora ou outra vem.
A força que nasce em nós, diante dos grandes desafios que a vida possa trazer, surge de nossa própria coerência. E coerência é memória contada. Por isso sempre penso que finados existe para ressuscitar os vivos.
Já dizia o filósofo Gladstone, “Diga-me como um povo cuida de seus mortos e lhe direi com uma certeza matemática como escuta seu povo, valoriza e sustenta seus ideais”.
Amar é o que somos e, portanto, é também o que nos torna Ser. O ser humano é construído de tantos “nunca mais” que farão parte do “para sempre” de cada coração.
É desafiador pensar que todo o presente que valoramos hoje, se tornará um ontem em nós. E é de ontem em ontem que nossa identidade se consolida. Rastros de existências que ficam em nós como ingredientes insubstituíveis.
As pessoas que de algum modo nos construíram, não simplesmente aconteceram! Não são números ou funções em nossa história. Mesmo porque, até nós somos mais do que nossa própria história, somos maiores que nossas dores e até que nossos sonhos. É por isso que podemos alcançá-los, realizá-los.
Aqui está o sentido maior de finados: Escutar, reverenciar, reconhecer e validar a construção sólida de investimentos humanos que nos trouxe até aqui. Você é em muito aquilo que recebeu do seus.
Pode até ser que o que tenha recebido, daqueles que fizeram parte de sua história, não tenha sido bom e por isso você prefira ir à praia no feriado de finados. Ok! Mas é inegável que na vida nos construímos também por linhas tortas.
De outro modo, pode ser que, o que você tenha recebido, tenha sido tão qualitativo que dói muito lembrar, então você decide se conectar as pessoas amadas e perdidas a beira mar. Ok também. Mas veja, é fato que, por dentro ou à distância, um coração sensível e sadio, nessa data, é convidado a dirigir a mente para nossas raízes. Logo se não somos convocados o risco fica à espreita. Risco de estarmos nos desumanizando, nos desensibilizando para o que de verdade está fatalmente em nossa realidade: Todos precisamos ser cuidados por alguém nesse mundo, desde nossa chegada até nossa partida. “Alguéns” que atravessam nossos caminhos e em muito deixam diretamente ou indiretamente em nós algo próprio.
Não somos pessoas que simplesmente acontecem nesse planeta, somos nossos antepassados em nós. Somos vida, transformação que move o passado dentro do presente, dinamicamente firme e iluminador.
Somos Futuro, Esperança e Fé.
Finados é isto: Uma oportunidade para olhar para vida como um todo, encontrar ou renovar seu sentido, ritualizar e ressignificar vínculos que jamais serão desfeitos em nós.
Ritualizar proporciona sempre nova e importante oportunidade para assimilar, elaborar e adaptar-se as mudanças que burilam o nosso existir. Existir demarcado e expresso pelo que visitamos e podemos sentir também nessa data. Uma data que de modo especial atravessa o tempo e nos lembra o acesso que temos a Eternidade. Acesso disponível em nossas habilidades para amar.
Por isso é justo dizer que as flores que mais valem ofertar são aquelas que vem de muito longe. Do mais íntimo e profundo em nós. Aquelas que são entregues de olhos fechados pelo coração.
Há quem não entenda, mas é inegável que finados é parte de nosso jeito tão humano, de dizer que o amor não exige reforço para seguir existindo. Uma vez amado pra sempre amado.
É data que ritualiza em nós a verdade de nossos legados e a certeza de que vivemos no sorriso de quem amamos, tanto quanto vive em nós a luz dos sorrisos que hoje alcançamos pra além do tempo nos fios invisíveis de nossas orações.
Que este seja um feriado de recolhimento, contemplação e gratidão!
Abraços eternos!
Dra. Ana Reis.
Especialista em Luto,
Mestre e Doutoranda em Teologia pela PUCRS.
luspe@luspe.com.br
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