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Pistas homilético-franciscanas



Leituras: Is 55,10-11; Sl 64; Rm 8,18-23; Mt 13,1-23

Tema-mensagem: Na paciência e na fidelidade do Semeador e na fecundidade de sua Semente o destino do discípulo.


Introdução

A vida dos homens, e de cada um de nós, é feita de palavras porque é uma história que tem como raiz o vigor da graça do encontro. Por isso, os grandes povos, as grandes Religiões, têm sua palavra-chave ou mestra, seus livros, como nós, cristãos, a Bíblia e os franciscanos as Fontes Franciscanas. Nesse sentido a palavra mais que um meio de comunicação é, antes de tudo, um mistério que guarda e faz nascer a vida, a pessoa. Eis o grande ensinamento de Jesus, neste domingo, através da parábola do semeador que saiu a semear a semente.

1. A palavra de Deus uma semente fecunda (Is 55,10-11)

O pequenino trecho de dois versos apenas, proclamado hoje, como primeira leitura, faz parte da conclusão do 4º Poema de Isaias acerca do Servo sofredor que começa assim: Oh! Vós todos que tendes sede, vinde às águas! Mesmo que não tendes dinheiro, vinde! Comprai cereais e comei. Mesmo sem dinheiro ou pagamento, vinde beber vinho e leite!(Is 55,1). Trata-se de uma visão profética de como será Israel, a partir de seu retorno à cidade santa após o exílio babilônico, quando então verá a restauração da futura e nova Aliança. Será como o encontro, a reunião de um grande banquete de festa universal que, através de Israel, Jahvé oferecerá gratuitamente a todos os povos.

A promessa era grande, e auspiciosa demais, para um povo que já se havia acomodado à condição de exilado e escravo. Por isso, a insistência do Senhor, comparando sua palavra com a eficácia da chuva e da neve, que nunca voltam ao céu sem antes irrigar e fecundar a terra e fazê-la germinar a semente para o plantio e para a alimentação: Assim será a palavra que sair de minha boca: não voltará para mim vazia (Is 55,11).

Portanto, diz o Senhor: “creiam em mim: tudo o que acabo de lhes dizer é verdade! Vai acontecer! Coragem! Se animem, se alegrem! A relação de vocês com os demais povos não será mais de escravidão nem de beligerância, mas de uma grande comunhão, à semelhança de um grande e festivo banquete nupcial! E vocês serão o princípio, a fonte dessa nova Aliança e desse novo Povo de Deus!”

2. Semeador-Semente - Anunciador-Palavra (Mt 13,1-23)

Jesus Cristo é o enviado do Pai para dar início ao cumprimento de sua palavra dada - sua promessa - anunciada outrora através de Isaias. Por isso e para isso, no Evangelho proclamado hoje, a modo de grande mestre, Jesus saiu de casa e foi sentar-se às margens do mar da Galileia (Mt 13,1).

A Galileia tem para Jesus um significado teológico e não apenas geográfico. É lá, entre os pagãos que Ele, como o novo rei dos judeus, descendente de Davi, quer dar início ao novo Reino, o reinado do Pai. Não será mais o reino da Lei, o império da Religião, mas o exercício da bondade, do amor e da misericórdia, do perdão. A mensagem é clara. É para dizer que este Reino deve incluir todos os povos da terra e não apenas os judeus. Por isso, também, é de lá que ele escolheu os primeiros discípulos para serem o fundamento deste novo Povo de Deus. O contraste é muito nítido. Enquanto na Judéia, quase sempre é criticado combatido e marginalizado, aqui, na Galileia, é rodeado por uma grande multidão. Por isso, Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé, na praia (Mt 13,2). A barca: a Igreja; Ele, Jesus: o Mestre. Jesus na barca voltado para os discípulos e estes por sua vez, na praia, voltados para o Mestre. Bela imagem da Igreja! A exemplo dos esposos: Mestre e fiéis caminham com as faces voltadas, como num espelho: o mestre para os discípulos e estes para o Mestre.

A cena desenrola-se em três partes: a parábola, a razão do uso das parábolas e sua explicação.

2.1. A parábola da semente

Para anunciar não só o começo, mas também o modo do cumprimento desse mistério da Boa Nova, profetizada por Isaias, Jesus inventa a famosa e mui ilustrativa parábola do “Semeador que saiu para semear”.

Em toda e qualquer semeadura, entram três componentes indispensáveis e distintos, mas inseparáveis: semeador, semente e solo. Nessa parábola, porém há algo de misterioso porque, em todo seu discurso, Jesus e suas palavras formam uma única e mesma realidade. Ou seja, Ele é semeador, palavra e solo bom ao mesmo tempo.

Pois bem, segundo a parábola, o anúncio que Jesus fazia de si mesmo – a semente semeada - encontrava quatro tipos de solo: solo à beira da estrada, o pedregoso, o cheio de espinhos e, finalmente, a terra boa. Assim, enquanto nos três primeiros a semente não pôde germinar e dar frutos, nessa última as sementes germinaram e produziram à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por somente (Mt 13,8).

Nessa primeira parte, o protagonismo de toda a parábola está no semeador-semente. Sua missão é semear e deixar que a semente realize e concretize seu destino. Por isso, não se fala nenhuma vez na colheita. Jesus Cristo veio semear. A colheita pertence ao seu Senhor, o Pai. Com isso está lançada, também, a missão da Igreja e de todo cristão: semeadores da Palavra – as sementes do Evangelho - jamais seus ceifadores.

Jesus é o Semeador e ao mesmo tempo a semente, a Palavra. Para isto é que foi mandado ao mundo: semear e semear! Não importa o terreno, as dificuldades ou contrariedades, muito menos as perspectivas de sucesso ou resultado (colheita). Isso supõe, como reza e pede São Francisco, logo após sua conversão, uma fé reta, uma esperança certa e uma caridade perfeita, senso e conhecimento (OC). O auge, a consumação dessa semeadura se dará na Cruz em meio a ladrões, malfeitores, assassinos e apenas alguns discípulos.

Por isso, ou para isso, a exemplo de Jesus, todo pregador deveria identificar-se com a palavra; que, como dizia São Gregório, seja aquilo que prega. Daí a conclusão clara e simples de Jesus: Quem tem ouvidos, ouça! (Mt 13,9). Ou seja: preguemos e preguemos! Sejam quais forem os ouvintes.

2.2. As parábolas e seu papel

A segunda parte do Evangelho gira em toro da pergunta dos discípulos a Jesus: Por que falas ao povo em parábolas? A resposta tem duas direções: os discípulos e os estranhos. Ocupemo-nos primeiramente com esses.

A apreciação de Jesus para com esses últimos parece tornar-se cada vez mais enigmática, para não dizer escandalosa: porque, olhando eles não vejam e, ouvindo eles não escutem nem compreendam... Porque o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos para não ver com os olhos.... de modo que se convertam e eu os cure (Mt 13,13-15).

Como entender essa explicação de Jesus? Seria uma certa vingança, um “bem feito!?” Ou seja: “Já que vocês não tem boa vontade, eu também não vou lhes revelar as coisas com clareza?” Entender assim a resposta, seria contradizer toda a misericórdia, mansidão e paciência de Jesus manifestadas a todos, sem distinção de justos ou injustos, sábios ou ignorantes, bons ou maus.

A interpretação deve ser procurada olhando para a primeira direção da resposta de Jesus: Por que a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não... Felizes sois vós porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem (Mt 13,11.16). Ou seja, a resposta se encontra no próprio termo “parábola” que, entre outros, e principalmente aqui, tem o sentido de palavra-mensagem, enfim, do mistério todo, da pessoa toda de Jesus.

Assim, o segredo de sua compreensão, está neste misterioso “porque”. Eis a causa, o porque eles não e vocês sim entendem: a graça do encontro, da pertença. Vocês compreendem porque já estão morando comigo, fazendo parte de minha vida, vocação-missão. Para os outros, essa graça ainda não chegou. Mas, virá um dia em que isto vai acontecer e então, sim, também eles, como vocês, verão e ouvirão. Eis o “porque” serão felizes. Realizar-se-á, então, e em plenitude, o que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram, ouvir o que ouvis e não ouviram (Mt 13,17).

Enfim, o segredo para se entender toda essa fala “escandalosa” está na paciente esperança da graça da conversão oferecida a todos (Cf. diversos tipos de solo). Enquanto isso, isto é, enquanto estão fora, tudo lhes é misterioso. Mas, quando se converterem, também eles - todos os povos – serão felizes como o primeiros, os discípulos. Mas, para isso, ou enquanto isso, é necessário que se lance a semente, sem cessar, em todos os terrenos. Ser uma Igreja “em saída” como Jesus que saiu de casa e foi sentar-se às margens do mar da Galileia (Mt 13,1).

2.3. A explicação da parábola

Finalmente, diferentemente de outras vezes, vem então a explicação da parábola, dada pelo próprio Jesus. Na verdade, são quatro. Uma para cada tipo de terreno, começando com o terreno à beira do caminho (Mt 13,19).

Jesus mesmo esclarece: nesse primeiro grupo, temos aquele tipo de pessoa que não compreende a palavra do Reino. Vem então o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração (Mt 13,19). Ele não a compreende, isto é, não a pega ou melhor, não se deixa pegar, tocar, porque está à beira do caminho. “À beira do caminho” é um modo de ser, um espírito Maligno, tomado de anseios pela publicidade, pelas honras, pelos aplausos que vem de fora. Não está com o espírito, a mente e o coração na palavra que lhe é dirigida ou lhe vem ao encontro. Falta-lhe a fecundidade da afeição, do silêncio e do recolhimento interior.

O segundo terreno, o pedregoso, é o ouvinte que também não consegue acolher a semente porque, embora a tenha recebido com alegria, é de momento (Mt 13,21). Fogo de palha, diríamos hoje. Um amor sem consistência, sem raízes. Isso porque o que lhe interessa são apenas suas vivências, satisfações momentâneas, que estão na moda. Por isso, não resiste ao mínimo de sofrimento ou perseguição. O contrário, teríamos o modo de ser de alguém que cultiva a docilidade do espírito, busca ser sensível aos gestos, sinais, iniciativas e atitudes dos outros e, acima de tudo, do grande Outro que é o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Teríamos, então um seguidor experimentado, sofrido, cada vez mais maduro.

O terceiro terreno é o tomado pelos espinhos. Aqui, também, a semente não pode ter vez porque as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra e ele não dá fruto (Mt 13,22). Ora, o que seriam estes espinhos sufocantes senão os pequenos amores, que São Paulo resume na concupiscência da carne, entre eles, a inveja, a raiva, a soberba que nos leva a olhar os outros de cima ou de longe, sem jamais, assim, permitir que haja realmente a festa do encontro? O contrário, como diz santa Clara, seria alguém que nunca esquece o seu ponto de partida, ou seja, o princípio, o toque do primeiro amor.

Finalmente, a explicação da terra boa: é aquele que ouve a palavra e a compreende (Mt 13,23). Primeiramente, poderíamos pensar numa terra, pessoa, diferente de todas as três anteriores. Mas, talvez, a parábola esteja dizendo que a terra boa de hoje é a mesma de ontem, agora cultivada pelo “ouvir” e pelo “compreender. Ouvir, significa escutar com afeição, amor e, acima de tudo, com uma fé inquebrantável e uma confiança absoluta e radical na palavra, no caso, na pessoa que veio ao nosso encontro, nos tocou e amou por primeiro, Jesus Cristo. Assim, aconteça o que acontecer, perseguições, sofrimentos ou rejeições – como na Cruz - são “com-preendidas”, tomadas, ouvidas, escutadas e assumidas como gestos, expressões do amor do Pai. Eis a terra boa!

Daí a conclisão: Esse dará fruto. Um dá cem, outro setenta e ouro trinta por um (Mt 1323).

3. A criação toda, em seu processo de parto, esperando pelo desabrochamento da semente da vida (Rm 8,18-23)

A segunda leitura, faz parte da conclusão da primeira parte da Carta aos Romanos, que poderia ter como título “O Evangelho, semente de Deus para a salvação dos crentes e de toda a criação”: De fato, a criação toda está esperando ansiosamente o momento de se revelarem os filhos de Deus. Pois a criação ficou sujeita à vaidade (Rm 13,19-20).

Vaidade significa, aqui, o “Vazio”, o “Nada”, o “Sem sentido” a “Inutilidade”, o “Sem rumo”, que se iniciou com o rompimento – a corrupção - de Adão com sua origem, o Criador. Cristo, porém, a esse princípio de corrupção, veio introduzir no mundo todo, em cada criatura, através do nosso humano, nascido da Virgem Maria, o princípio da nova Vida, marcada pela alegria da gratuidade infinita e não do merecimento mesquinho, estreito. Esse princípio tem o modo de ser da semente: a paciência, o padecimento. Por isso, diz: também ela espera ser libertada da escravidão da corrupção e, assim, participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus (Rm 8,21).

Para São Paulo, portanto, nosso céu, nossa terra, a criação toda, enfim, carrega em seu seio um outro mundo, um outro céu, uma outra terra. Há em tudo, em cada flor, cada grão de areia, acontecimento ou pessoa, algo, ou melhor, Alguém que os ou nos transcende. Assim, o gemido de dores de parto da criação, mais que sofrimento indica esforço, empenho, luta, colaboração para que se acelere e se apresse o quanto antes o desabrochamento da plenitude da semente do novo céu, da nova terra, lançada por Cristo no coração de cada criatura quando de sua encarnação e consumada na Cruz.

Isso significa que o homem deve salvar-se não sozinho, mas junto com toda sua Casa comum, sua Mãe e Irmã Terra. Não podemos mais esquecer-nos, como diz nosso Papa Francisco, que somos terra, e que nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta: o seu ar nos permite respirar e a sua água nos vivifica e nos restaura (LS 2). Salvar-nos é salvar toda a criação e, salvar cada criatura é salvar-nos.

Conclusão

A mensagem desse domingo deveria levar-nos a uma grande conversão: desejar ser tão-somente semeadores, jamais ceifadores. E, além disso, a exemplo do Mestre, a identificar-nos sempre mais com a própria semente e, finalmente, a transformar o solo de um coração pedregoso, espinhento e à beira da estrada, num coração, cada vez mais dócil que procura ouvir, compreender e pôr em prática a palavra do bem-querer de Deus.

Infelizmente, por vezes, ficamos nos inquietando e perdendo tempo e ânimo com números e quantidades (igrejas, seminários cheios ou vazios, etc.). Em vez disso, diz nosso Papa: Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Mc 6, 37) (EG 49).

Tanto para Cristo como para os primeiros cristãos e para os primeiros franciscanos não foi fácil levar adiante a pregação acera do Reino dos céus, da Igreja e da Ordem. O primeiro foi contestado de mil e uma forma pelos maiorais do poder político e religioso, culminando por condená-Lo à morte. Os seguintes foram perseguidos e muitos jogados às feras na arena de Roma. Quanto aos primitivos franciscanos, também eles foram injuriados, perseguidos zombados, tidos como insensatos e estultos. Por isso, foi necessário que Francisco os reunisse para exortá-los: Consideremos, Irmãos caríssimos, nossa vocação pela qual, misericordiosamente nos chamou Deus, não apenas para nossa salvação, mas para a de muitos, a fim de irmos pelo mundo exortando todos, mais pelo exemplo que pela palavra, a fazer penitência de seus pecados e se recordarem dos mandamentos de Deus. “Não temais” por serdes “poucos” e parecerdes ignorantes, mas com segurança anunciai com simplicidade a penitência, confiando no Senhor “que venceu o mundo”; ele, “com o seu espírito fala” por vós “e em vós”, a fim de exortar a todos a que se convertam a ele e observem seus mandamentos... Proponde, pois, em vossos corações, suportar tudo com paciência e humildade (LTC 36).


Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini

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