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4 de Outubro

Leituras: Eclo 50,1.3-7; Sl: 15,1-2a.5.7- 8.11; Gl 6,14-18; Mt 11,25-30


Tema-mensagem: São Francisco, o grande convertido por Cristo para viver seu Evangelho, mestre e exemplo na restauração da Igreja, da Humanidade e da Criação


Introdução

Como no passado, também hoje, a Igreja precisa ser renovada, a Humanidade restaurada e a Criação amada, protegida e defendida. Mas, quem nos servirá de exemplo e modelo, quem será nosso mestre nesta ingente e urgente missão (LS 10)? “São Francisco de Assis!”, responde nosso Papa Francisco. Na alegria e no júbilo, façamos, pois a memória desse admirável Santo que o Senhor nos deu! Um Santo que não é mais nem de Assis nem da Itália nem da Igreja católica, mas de toda a Humanidade e até mesmo de toda a Criação.


1. Começar por onde ele começou (Eclo 50,1.3-7)

Fazer de São Francisco modelo e exemplo de renovação e restauração significa, antes e acima de tudo, acolher a inspiração originária que o levou a feitos, obras, vitórias e glórias que cantam, encantam e admiram, ainda hoje, homens de todas as raças e credos. Por isso, precisamos começar por onde ele começou e não por onde ele terminou.

Segundo seus biógrafos, desde cedo ardia em Francisco o desejo de tornar-se grande, ilustre, conhecido e valioso para si e sua cidade, sua gente. Através de um misterioso sonho, porém, sentiu-se chamado a trocar os senhores desse mundo pelo “Senhor” de todos os senhores (Cf. LTC 6). Posteriormente, na capelinha de São Damião, ajoelhado diante de uma bela e expressiva imagem do Crucificado, ouviu Dele essa honrosa vocação e ingente missão: “Francisco, não vês que minha casa está se destruindo? Vai, pois, e restaura-a para mim” (idem, 13).

Desde então, o júbilo nascido desse encontro, dessa eleição e missão passou a ser não apenas a luz, mas também a paixão de sua vida. Falando desse mistério, assim se expressam seus biógrafos:

Desde aquela hora, seu coração de tal modo ficou ferido e derretido ante a memória da Paixão do Senhor que, sempre enquanto viveu, levou em seu coração os estigmas do Senhor Jesus, como posteriormente apareceu claramente pela renovação dos mesmos em seu corpo, admiravelmente realizados e clarissimamente demonstrados (LTC 14).

Também São Boaventura nos conta como o grande Papa Inocêncio III viu no Pobrezinho de Cristo o cumprimento de uma visão cheia de enigma. Num sonho, o Pontífice vira a Basílica do Latrão prestes a ruir. Mas, um homem pobrezinho, pequeno e desprezado a sustentava, com as próprias costas por baixo para não cair. E, São Boaventura conclui seu relato atestando que o Pontífice, ao ver esse pobre, Francisco, disse: É esse, na verdade, aquele que sustentará a Igreja de Cristo com obras e doutrina (Legenda Maior 3,10).

Por isso, a primeira leitura de hoje, com justiça, coloca Francisco na companhia do grande Simão, um importante sumo sacerdote que, em seu tempo, comandou a restauração do Templo e fortificou a cidade de Jerusalém. Assim, a exemplo daquele homem de Deus, também Francisco aparece a nossos olhos como a estrela da manhã no meio da nuvem, como a lua nos dias em que ela está cheia, como o sol resplandecendo sobre o Santuário do Altíssimo, como o arco-íris brilhando entre nuvens de glória (Eclo 50,6-7).

Comentando essa passagem, o dominicano Mestre Eckhart diz que essa palavrinha como deve ser entendida no sentido de advérbio, isto é, como o modo de ser de quem está junto do verbo. E lembra que, na Sagrada Escritura, Jesus Cristo é chamado de o Verbo por excelência: No princípio era o Verbo (Jo 1,1). Daí, então, ele tira uma lição muito bela e importante para nós: todo cristão deve ser um advérbio, isto é, uma palavra que deve viver junto do Verbo. Alguém que, aos poucos, através de seu seguimento, busca encarnar o “como” de Cristo: ser “da mesma forma que” Cristo, “do mesmo modo ou jeito que” Cristo. E quem, depois de Nossa Senhora, mais e melhor percorreu esse caminho e alcançou a mais perfeita “assemelhação” com Ele senão São Francisco?!

Comentando tão inaudito mistério, assim se expressou o Papa Pio XI:

Parece que jamais houve homem algum em quem brilhasse mais viva a imagem de Jesus Cristo e em quem fosse mais semelhante a forma evangélica de viver do que em Francisco. Por isso, ele, que se havia denominado o ‘Arauto do Grande Rei’, foi com razão proclamado Outro Cristo, por se ter apresentado aos contemporâneos e aos séculos futuros como um Cristo redivivo; e, como tal, ele vive ainda hoje aos olhos dos homens e continuará a viver por todas as gerações futuras (Enc. Rite expiatis, 30.04.1926; AAS 18, 1926, p. 154).

A mesma lição nos é dada pela “estrela matutina”, que é a mesma “estrela vespertina”. E Mestre Eckhart comenta, de novo: mais que todas as estrelas, essa estrela está sempre igualmente próxima do sol; nunca está mais distante ou mais próxima do sol, nem mais nem menos. Ora, não foi assim com Francisco?! Ele foi o que seu próprio nome, “Francisco”, diz: um homem “franco” (“Francisco” vem de França > francês > franco) isto é, franqueado, desimpedido, desprendido, livre. E toda sua liberdade se consumou em desvencilhar-se do mundo e de seus senhores, para estar tão só e unicamente vinculado, preso a Cristo e sua missão pelo amor ardente, semelhante ao ardor dos serafins. Assim, Cristo, o Homem perfeito, o Homem de todos os homens, o Senhor de todos os senhores, o único Homem confiável, era o Sol que iluminava e acalentava Francisco na busca de seu novo humano; o humano que se estende a todos os homens e, até mesmo, às mais ínfimas criaturas. Por isso, as acolhia, todas, sem discriminação, com a carinhosa distinção e afetuoso trato de “irmãos” e de “irmãs”.


2. Mensageiro das odoríferas palavras do seu Senhor (Gl 6,14-18)

Assim, Francisco, pela sua familiaridade com Cristo e com seu Evangelho, tornou-se pleno de Deus, pleno de sua claridade e de sua força, passando a sentir e a ver também cada criatura como sendo plena, cheia de Deus e de sua Palavra.

Era assim, pois, que Francisco ouvia e lia a Palavra de Deus: o Verbo incriado, no qual todas as coisas foram criadas; o Verbo encarnado, no qual tudo foi recriado e santificado; o Verbo crucificado, no qual todas as coisas foram reconciliadas: o céu e a terra, o invisível e o visível.

Mergulhado em Deus, através de Jesus Cristo crucificado, Francisco sentia e via todas as criaturas como crias e crianças de Deus. Estando para além do mero uso, do mero consumo ou utilidade das coisas, ele as sentia e via, como crianças, partindo da sua origem - o Pai comum – como meninos e meninas, a sair de seu lar familiar. Por isso, a modo de criança, ele brinca, se encanta e canta com cada uma delas, chamando-as, por exemplo, de “meu Irmão Fogo”, “minha Irmã Água”, “meu irmão Lobo”, etc. É dessa “assemelhação” que fala São Paulo, na segunda leitura da Missa de hoje: Quanto a mim, não pretendo jamais gloriar-me, a não ser na Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo; é dessa “assemelhação”, também, que nasce e floresce a marca, o modo de ser, a identidade mais profunda, a glória maior do cristão, tão bem assinalada pelo mesmo São Paulo: De agora em diante, ninguém mais vai me molestar, porque trago em meu corpo as marcas de Jesus Cristo crucificado (Gl 6,17). Dentro desse mesmo sentimento, falou o Papa Francisco, na homilia de sua primeira Missa, como novo Pontífice, diante de todos os Cardeais eleitores: Se não confessamos Jesus Cristo, as coisas não avançam! Também recordou que não se pode anunciar Jesus Cristo sem a cruz: Quando caminhamos sem a Cruz [...], não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não seguidores do Senhor! (14/03/2013).

Por isso, não é à toa que a tradição franciscana sempre viu São Francisco muito ligado ou próximo de São Paulo. À exemplo desse, também o jovem cavaleiro de Assis, no caminho das Apúlias, foi derrubado do cavalo do mundanismo da glória humana e do bem estar pessoal (EG 93); também Francisco, como Paulo, foi escolhido para tornar-se administrador e mensageiro das odoríferas palavras do seu Senhor, que é o Verbo do Pai, e as palavras do Espírito Santo, que são Espírito e Vida (Cf. 2CFi). E assim, ele e seus companheiros, indo pelo mundo, como ‘peregrinos e forasteiros’, nada levando consigo a não ser Cristo crucificado, [...] faziam grandes frutos nas almas, pois eram verdadeiros ramos da videira viva (Atos 4).


3. A sabedoria dos pequeninos e dos pobres (Mt 11,25-30)

Enquanto o homem do mundo procura construir e consertar o mundo pela pseudo-sabedoria da soberba e da prepotência, quando não pela violência e pelas armas, Cristo propõe a sabedoria da loucura da Cruz (Cf. 1Cor 1,18), do “não-poder”, da “não violência; a sabedoria dos pequeninos e dos pobres, tão bem decantada por Ele mesmo no Evangelho de hoje: Eu te louvo, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos!

Cristo, o maior, o máximo, o mestre se abreviou, se apequenou (VD 12), se fez menor, o mínimo, o servo, o discípulo. Aquele que não cabe no universo inteiro coube num coxinho de estrebaria e, depois, nos braços de uma cruz e num pedacinho de pão. Essa é a sabedoria da nova Escola, da nova Ordem, inaugurada por Cristo com seus Apóstolos e redescoberta por Francisco; a sabedoria que salva, restaura e redime o humano de todos os homens de todos os tempos. Sabedoria que significa Caminho, Escola, Ordenamento (Ordem) onde o homem se exercita e se ordena para ser, de novo, filho no Filho; para fazer-se menor com o menor, mínimo com o mínimo, irmão e servo de toda a humana criatura (RNB 16).

Por isso, Mestre Eckhart, num sermão pronunciado na festa de São Francisco, relembra que ele é louvado por essas duas coisas: a verdadeira pobreza e a verdadeira humildade.

Pobreza que não significa um vazio, uma carência, uma lacuna ou ausência de, mas o júbilo de ter encontrado a riqueza, o tesouro de sua vida: o Meu Deus e Tudo (Atos 1), o Pai nosso que está nos Céus (LTC 20). Por isso, Francisco em vez de lamentar-se ou considerar-se pobre ou empobrecido, sempre se teve como a pessoa mais feliz, realizada e rica da terra. Deus é o seu próprio. Por conseguinte, a ele – Francisco - pertence também tudo o que é de Deus: o céu e a terra e tudo quanto neles há. E dele são também os anjos e os santos e tudo quanto é deles: em Deus ele tem Tudo.

Também a virtude da humildade evangélica ou franciscana, antes de ignorância, fraqueza, timidez, inferioridade, subserviência, significa ser tomado pelo vigor que nasce da gratuidade do encontro, do amor. Dessa virtude - a humildade - pela qual São Francisco é muito conhecido e louvado, diz um mestre na Espiritualidade Franciscana:

A humildade é o vigor do céu e da terra! O vigor do céu e da terra é grande, imenso, inesgotável e sereno; terno e carinhoso, tudo envolve na sua transparência cordial! De nada se apossa, tudo deixa ser na inocência nasciva da admiração! Vigor singelo e simples, variegado e uno, vivo e criativo, jovial e profundo que a todos serve com alegria! É seguro e firme como a bondade do pai, solícito, benigno e delicado como o olhar e o toque da mãe! (Frei Harada).


Duas conclusões e uma prece

Não será esse o modo de ser – o Reino do Céu! - do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo? O modo de ser Dele mesmo, o nosso Mestre? Aprendei de mim, pois sou manso e humilde de coração! Não será esse o modo de ser do seu Sopro Sagrado – caminho – a sabedoria que o cristão precisa amar e seguir para reconstruir a Igreja; modo de ser, caminho, sabedoria, ordem que o homem de hoje precisa adotar, se quiser realmente restaurar seu humano, o humano de todos os homens; se quiser, também, reconstruir sua Casa Comum, a Criação!?

Mas, para que isso aconteça, é preciso recordar que São Francisco, antes de um ambientalista ou pacifista, foi um convertido. Uma conversão que nasce e floresce da alegria do encontro com a Boa Nova de Jesus Cristo crucificado; uma conversão que nos leve a exclamar e implorar com ele e como ele:

Altíssimo e glorioso Deus,

ilumina as trevas do meu coração:

Dá-me Senhor uma fé reta, uma esperança certa

e uma caridade perfeita, senso e conhecimento

para que realize teu santo e veraz mandato. Amém (OC).


Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini, OFM

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