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OS FRANCISCANOS EM NÃO-ME-TOQUE - RS


Neste janeiro de 2020, quando a Ordem Franciscana encerra sua missão, em caráter oficial e territorial – continuará de outras formas – no Município de Não Me Toque, depois de 103 anos, faço do fato motivo para um pequeno apanhado histórico desta presença, da qual sou parte.


Segundo as fontes que consultei ( pesquisa histórica de Frei Pedro Knob em “Os Franciscanos no Rio Grande do Sul”, Antônio Alexandre Bispo em “Revista Brasil Europa”, Biografia de Frei Bruno Linden ofm, Frei Aurélio Stulzer em “A Guerra dos Fanáticos”), e não há unanimidade entre elas, os franciscanos alemães da Província da Imaculada Conceição fixaram residência no Alto Jacuí em 1918. Há uma divergência se em Tapera ou Não Me Toque. O certo é que passaram a atender o Curato (uma espécie de pré-paróquia) de Não Me Toque, elevado a condição de Paróquia em 1919.


A Biografia de frei Bruno Linden afirma que ele foi nomeado Vigário de Não Me Toque em 1917: “em 1917, em nome da santa obediência, Frei Bruno vai para o Rio Grande do Sul como superior e vigário, na cidade de Não-me-toque.” Talvez em 1917 tivesse sido o ano dos preparativos, viagens para organizar a residência, providenciar os meios de sustento. Considero que, a ser comprovada a nomeação de frei Bruno em 1917, este o ano de início da missão permanente dos Frades Menores na região do Alto Jacuí.

Não descarto, embora não tenha encontrado fontes escritas, de presenças avulsas em viagens missionárias dos frades alemães pela região antes de 1917. A biografia de Frei Rogério Neuhaus, em Santa Catarina, está repleta destes relatos e parecia ser uma prática dos missionários franciscanos alemães: visitavam as colônias, analisavam as carências religiosas, faziam contatos com as lideranças, procuravam os bispos. Depois iniciavam missões permanentes.


O que me leva a concluir isto é o fato do Padre Diocesano José Junges, primeiro pároco do Alto Jacuí, ter entrado no Noviciado Franciscano em Rodeio, SC, em 1916, recebendo o hábito marrom e assumindo o nome de Frei Afonso ( naquele tempo, ao entrar na Vida Religiosa, assumia-se outro nome). Provavelmente Junges foi primeiro franciscano gaúcho. Dizem os relatos que ficou encantado com a obra e a missão dos frades e muito se esforçou para trazer os franciscanos para o Alto Jacuí. Teria sido apenas encanto à distância pelo que ouvia de Santa Catarina, ou frades já havia visitado a região e feito contato direto com ele? Minha tese é que desde 1914 os frades alemães já visitavam a região das colônias do Alto Jacuí e de Erechim, vindos de Santa Catarina, onde já havia presença estabilizada nas colônias alemães. Tanto é verdade que já em 1919, além de Não Me Toque, assumem a Paróquia de Três Arroios, na região de Erechim e Soledade, próximo a Não Me Toque. Como alemães pragmáticos e sistemáticos que eram, não teriam assumido por um simples pedido do bispo, que houve, sem um pré-conhecimento da realidade, da região e da situação.

Em 1917, após a ida do Pe Junges para o noviciado em Rodeio, SC, os Jesuítas tentaram fixar residência em Não Me Toque, porém sem sucesso. É nesta época que o famoso jesuíta Pe Amstad, reconhecido como fundador do cooperativismo no Brasil, também por aí esteve durante um mês atendendo o curato de Não Me Toque. Porém, no segundo semestre de 1917, nenhum jesuíta residia em Não Me Toque. Mas este fato explicaria – talvez - a residência provisória dos frades em Tapera.

Os livros de história relatam que entre as capelas atendidas pelos primeiros frades estava uma situada na Barra do Colorado. Caso não esteja enganado, esta é a capela dedicada a Nossa Senhora Aparecida, situada entre as confluências dos Rios Colorado e Cotovelo, onde aprendi ainda criança a só dobrar os joelhos diante do Sagrado. Esta capela depois foi transferida para Posse São Miguel, sendo dedicada a Santa Ana. Por muito tempo rezávamos nas duas capelas: uma vez por mês, no último domingo do mês, na capela de madeira, lá no alto, dedicada à Mãe Aparecida e nos outros três domingos, na capela dedicada à Vó Ana (Santa Ana, avó de Jesus), em Posse São Miguel, no povoado formado ao redor do Moinho Schuster e do Armazém Ioris.

Com a criação da Paróquia de Colorado, esta capela passou a pertencer à nova paróquia, pois o rio Colorado passou a servir de divisa paroquial e a Capela de Santa Ana ficava a oeste do rio.


Com o tempo a capela de madeira da Barra do Colorado foi suprimida, mas o cemitério de Posse São Miguel continua lá até hoje e a imagem da Aparecida foi levada à Capela Santa Ana, a qual, então, passou a ser dedicada à Avó e à Mãe do Senhor da Vida. As capelas da minha infância têm duas mulheres de fibra como padroeiras, a Avó e a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. Talvez ajude a explicar a força mística que tanto admiro em tantas mulheres da minha terra, a começar pela Dona Izulina Donatti, professora e alfabetizadora de mais de três gerações.


Outra destas mulheres que aprendeu os primeiros passos da fé na dita capela da Barra do Colorado foi a Irmã Noeli Melo, com quem convivi na infância, hoje com fama de santa em algumas vilas pobres de Passo Fundo onde trabalhou ( conforme relato de Odalberto Casonatto). Para registro, gravo neste modesto texto de história, que na citada Capela da Barra do Colorado, Noeli nasceu e viveu seus primeiros anos. Depois a família migrou para outras paragens e Noeli entrou para a vida religiosa na Congregação das Irmãs Missionárias Franciscanas do Verbo Encarnado. Falecida precocemente num acidente de carro, está hoje sepultada em Passo Fundo. Em depoimentos que ouvi de irmãs que conviveram com esta conterrânea, afirmaram ter sido ela uma religiosa dedicada aos pobres, simples, humilde, fraterna, de intensa vida de oração e com forte espírito missionário.


Os frades alemães, naquela época, atendiam uma vasta região que ia até Ernestina, Cochinho, (hoje Victor Graeff), Tapera, Boa Esperança (hoje Colorado) Selbach, Ibirubá e alhures. Tudo em lombo de cavalo ou a pé. Criaram em Não Me Toque uma escola para filhos de colonos, que tinha também o objetivo de atrair vocações para a Ordem.

Em 1945 os franciscanos da Província Santa Cruz, fundada pelos Holandeses, substituem os frades alemães em Não Me Toque. Frei Olímpio Reichert ofm é também ali um dos pioneiros. Em seguida fundam o Colégio São Francisco Solano, com internato para atender aos filhos de colonos do interior e para atrair vocações. Em 1976 o Solano é entregue à comunidade Nãometoquense e posteriormente ao Estado do Rio Grande do Sul. Mas a presença dos frades na educação em Não Me Toque marcou a história de toda a região.


Personalidades que marcaram presença na Paróquia de Não Me Toque

- Padre José Junges, depois Frei Afonso, primeiro franciscano gaúcho. A presença franciscana em Não Me Toque iniciou com um Padre Diocesano aderindo à Ordem Franciscana.

- Padre Teodoro Amstad, jesuíta, fundador do cooperativismo no Brasil.

- Frei Bruno Linden, hoje com processo de canonização em andamento. O lugar do descanso eterno de seus restos mortais é local de intensa visitação e devoção em Santa Catarina. Viveu e evangelizou na região de 1917 a 1925.

- Frei Menandro Kamps – famoso em Santa Catarina, onde é nome de ruas e de escolas. Foi um dos pacificadores da guerra do Contestado, onde as polícias do Paraná e Santa Catarina e o exército Brasileiro massacraram sem dó nem piedade a revolta dos camponeses pobres. Frei Menandro esteve em Não Me Toque na década de 30 do século XX, onde, segundo registros, dirigiu a construção da Igreja Matriz e da casa paroquial.

- Frei Olímplio Reichert – primeiro franciscano gaúcho provindo da missão holandesa. Missionário corajoso, desbravador de fronteiras, fundou o Colégio Solano e, depois, o Seminário São Pascoal em Três Passos, RS, além de iniciar a missão franciscana também na chamada Região Celeiro do Rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina. Na cidade de Três Passos, última de suas missões, frei Olímpio é nome de bairro.

- Frei Gregório Wolfkamp – último frade holandês em missão no Rio Grande do Sul, falecido em 2019, e que marcou toda uma geração com sua presença em Não Me Toque, no Colégio Solano.

- Frei Irineu Gassen – foi Provincial dos Franciscanos no Rio Grande do Sul e Bispo de Vacaria.

Como frade aí nascido e evangelizado pela ação dos muitos que por aí passaram – o que deu errado é responsabilidade minha e não deles – e hoje em missão em “terras de missão”, em condições muito mais precárias do que a Não Me Toque de hoje, mas com semelhanças às do Alto Jacuí do início do século XX, dobro de novo os joelhos como fiz na infância na capela Nossa Senhora Aparecida, diante da Mãe e digo ao Filho, o único Senhor da Missão, e balbucio:

- De nossa parte, Missão Cumprida.

E os frades se vão, gratos a tantos e tantas e gratos ao padre diocesano que os chamou, Padre José Junges, e devolvem aos diocesanos para que continuem a missão. Certamente a farão bem e farão o bem. Em nome do único e eterno Bem.


Frei Sérgio Antônio Görgen ofm – janeiro de 2020.

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