“Fraternidade e vida; dom e compromisso” é o tema da Campanha da Fraternidade (CF) deste ano de 2020. O lema reza: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”. Este lema é retirado da belíssima e desafiadora página do evangelho em que Jesus explica ao especialista da Lei quem é o próximo: diante do homem caído na estrada meio-morto, tendo sido assaltado, espancado e despojado por bandidos, o samaritano viu, moveu-se de COMPAIXÃO e cuidou dele.
A Igreja católica no Brasil, depois do Concílio Vaticano II, adotou a inspirada prática de convidar os cristãos e as cristãs no tempo da quaresma a uma conversão real diante de realidades desafiadoras da nossa vida para aí testemunhar a fé e o amor fraterno e assim participar de forma mais viva e atual do mistério pascal. O mistério pascal é justamente a vitória da vida sobre a morte, a vitória do amor misericordioso sobre a injustiça e o mal. Seguir Jesus é segui-lo no caminho do amor e da misericórdia, do dar a vida para que o mundo tenha vida.
Neste ano somos convidados a rezar, refletir e cuidar da própria realidade da vida, tanto da vida humana desde sua concepção até a morte quanto da vida do planeta, a nossa casa comum. A constatação é de que a vida está sendo agredida, ferida, desprezada, rejeitada, manipulada, ameaçada, destruída. Qual deve ser o olhar, o sentimento, a atitude, a motivação, a conduta, a ação do cristão e da cristã diante dessa realidade?
A partir do texto bíblico do Bom Samaritano, a palavra chave é COMPAIXÃO. Nesta parábola, narrada por Jesus a um doutor da lei, aparece a figura do samaritano que sabe olhar para o homem meio-morto e deixar-se mover por COMPAIXÃO. Ele supera o olhar de indiferença do levita e do sacerdote. Tomado de compaixão se aproxima do caído, enfaixa as feridas, o leva a uma hospedaria e cuida dele. Jesus conclui a parábola com o imperativo: “vai e faze tu o mesmo”.
Essa Palavra de Jesus é dirigida a todos e todas nós. Ser cristão é, em primeiro lugar, superar, romper toda e qualquer forma de INDIFERENÇA diante da vida ferida, sofrida, ameaçada, desprezada, violentada de pessoas e de criaturas da natureza. Ser cristão é considerar o outro, a outra como irmão e irmã. Ser capaz de sentir compaixão: essa é a chave. Essa capacidade de compaixão é a medida do cristão, é a verdadeira face do amor. A compaixão nos faz participar da dor e do sofrimento do irmão e da irmã a ponto de derramar lágrimas. Porém, compaixão não é mero sentimento de dó e piedade. Compaixão indica “padecer com”. É deixar que a situação do pobre, do abandonado, do injustiçado, humilhado, excluído, do sofredor entre em nosso coração e faça sentir em nossas vísceras a sua dor. É um “sofrer com” que se transforma em criatividade, em gestos de solidariedade, de serviço, em atitudes de compromisso. A compaixão não nos deixa passivos e inertes. A compaixão faz colocar o coração nas mãos e nos pés.
Trata-se, como primeiro passo, de cultivar em nós, cristãos e cristãs, um OLHAR de compaixão. O olhar de compaixão nos leva a ver as pessoas e as criaturas todas em maior profundidade até chegar ao mistério sagrado que nelas habita. Nosso pai S. Francisco, enquanto estava na mentalidade do mundo dominante, olhava para os leprosos com profunda rejeição. Ao abrir seu coração endurecido, foi capaz de olhar para os leprosos com compaixão, se aproximou, abraçou os leprosos e os serviu. “Fiz misericórdia com eles.” Experimentou profunda mudança em sua vida: o que era amargo se tornou doçura. Tornou-se mais humano antes mesmo de ser mais cristão. Diante dos bandidos de Borgo, o seráfico pai orientou seus irmãos a ir ao encontro deles, chamá-los de “irmãos ladrões” e partilhar com eles alimentos, construir uma nova relação. O olhar de compaixão faz ver em primeiro lugar o “irmão” que mora no outro, e eventualmente também o “ladrão”. Diante do lobo terrível e feroz de Gúbio, Francisco vai ao encontro para torná-lo um irmão, o irmão lobo. O olhar compassivo fez Francisco descobrir que o lobo agia com violência por causa da fome, da necessidade e pela forma agressiva como era tratado.
A compaixão é a característica essencial do modo de Deus ser, olhar, agir em relação a nós e à sua obra da criação. Ele tem compaixão de nós, se aproxima, cuida de nós com imensa ternura e bondade. Jesus é o verdadeiro samaritano que passa pelos caminhos deste mundo e olha com compaixão para os caídos, os feridos, os pobres, marginalizados, os fracos, os pequenos, os pecadores. Ele cura nossas feridas. Veio para trazer vida em abundância. Ele é a vida. A Páscoa nos ensina a, por Cristo, com Cristo e em Cristo, romper os túmulos da indiferença e do ódio e a ressurgir para a vida de fraternidade e justiça, para o cuidado e a solidariedade. O sentido da vida se encontra no amor, o qual se traduz no cuidado para com os que sofrem. A evangelização da Igreja consiste basicamente em anunciar pela palavra, pelo testemunho e por obras o rosto misericordioso e compassivo de Jesus e do Pai.
São muitas as testemunhas que nos inspiram no acolher e cuidar da vida como dom e compromisso, construindo fraternidade e um mundo de justiça e compaixão: Santa Dulce dos Pobres, Dra. Zilda Arns, Ir. Dorothy, D. Aloísio Lorscheider, Papa Francisco, S. Francisco de Assis. Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia.
Frei Nestor Inácio Schwerz, ofm
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