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Liturgia da Palavra: Is 52,7-10; Sl 97 (98) (R/.3cd); Hb 1,1-6; Jo 1,1-18

Tema-Mensagem: A Palavra que era Deus veio morar entre nós para que nós pudéssemos nos tornar filhos de Deus

Sentimento: alegria e gratidão

Rito: Beijo do Menino Jesus


Introdução:

O Natal, assim como a Páscoa, é celebrado tanto na noite quanto no dia com leituras e textos diferentes ou próprios para cada missa. A graça de poder comungar deste mistério é tão superabundante, que a Igreja quer exultar e rejubilar em Deus tanto no recolhimento e no segredo da noite quanto na expansão e na comunicação do dia.


1. Os mensageiros da paz e do reino de Deus (Is 52,7-10)

Todos vivemos ansiosos por notícias. Por isso, sempre na história da humanidade tiveram grande destaque os anunciadores e mensageiros principalmente os pregoeiros, os evangelizadores, isto é, os anunciadores de boas notícias, como, por exemplo, Isaias. Com muitos séculos de antecedência, em sua visão profética, exaltava: “Como são belos os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação, e diz a Sião: “Reina teu Deus”.

O momento desta bela notícia é histórico: o retorno dos exilados, as caravanas dos judeus, o pequeno resto de Israel, fiel a Jahvé que retorna à sua pátria depois de haver expiado os pecados de todo o povo; tempo de passar da desgraça da servidão do exílio para o júbilo da libertação, na terra sagrada de Jahvé. Para esta libertação o profeta havia implorado ardentemente: “Desperta, desperta, reveste-te de força, braço do Senhor” (Is 51,9ss.). Foi diante desta súplica que o Senhor demonstrou que só Ele é Deus, que sua sabedoria é infinita e que faz o que Ele quer: “desnudou seu santo braço”, demonstrando sua maior prova de amor para com seu povo, tirando-o do exílio “diante dos olhos de todas as nações”.

Tudo o que foi predito pelo profeta se cumprirá de modo ainda mais pleno a partir da Igreja primitiva, tomada por mensageiros, profetas, evangelistas que anunciam não mais uma ventura futura ou próxima, mas a presença atual e atuante do Reino de Deus. São os pioneiros da Boa Nova da salvação que vem de Deus e que começa a soar para “todos os confins da terra”. Pioneiros de outrora que precisam ser encarnados em nós, hoje.


2. Em seu Filho Jesus Deus disse-nos tudo de uma só vez (Hb 1,1-6)

Para a segunda leitura da missa do dia do Natal a Igreja escolheu os primeiros versos da Carta aos Hebreus cujo objetivo é fazer a apresentação do drama da história da salvação, ou melhor, das estratégias da revelação de Deus na história humana: “Muitas vezes e de modos diversos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio de seu Filho, a quem Ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual ele também criou o universo” (Hb 1,1).

A manifestação de Deus, no decorrer dos séculos, não só é lenta ou melhor paciente e progressiva, mas também parcial e, acima de tudo, indireta, isto é, através de intermediários: pequenos ou grandes acontecimentos, sonhos, visões, pessoas especialmente escolhidas para isso como os patriarcas e os profetas, etc. Tudo isso, se constitui numa grande riqueza, mas não passa de uma sombra da revelação plena e consumada que só se dará com Jesus Cristo.

Com o mistério da encarnação, a fala ou a Palavra de Deus não se expressa mais num discurso ou qualquer outro meio, mas tornou-se um homem, “nascido de mulher” (Gl 4,4). Jesus Cristo, no evento da Encarnação, é a Palavra definitiva de Deus, confiada, dada à humanidade. Nos diz o seu Sim gracioso – diz a nós, que, antes, havíamos dito o nosso rude, grosseiro “não”. E Deus não tem outra Palavra a nos dar. É só essa. É o seu Tudo de uma só vez e para sempre. “Deus disse-nos tudo ao mesmo tempo e de uma só vez nesta Palavra única e já nada mais tem para dizer. Porque o que antes disse parcialmente pelos profetas, revelou-o totalmente, dando-nos o Todo que é o seu Filho” (Verbum Domini, 14).


3. O verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,1-18)

Como, se deu esta revelação definitiva de Deus nos é revelado pelo Prólogo do evangelho de São João, escolhido para esta Missa do Dia do Natal. Na apresentação que o evangelista faz da Palavra do Pai aparecem três fases ou melhor, um tríplice nascimento do Filho de Deus.

3.1. O nascimento eterno

O primeiro nascimento se dá na eternidade: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1,1).

Antes de mais nada, João quer convidar-nos a um grande ato de contemplação acerca do nascimento eterno do Filho de Deus em Deus. Por isso, seu prólogo tem a forma de um hino. Agostinho falando de São João diz que ele “supera os outros evangelistas na profundidade dos mistérios divinos”, e que pode ser comparado à águia que põe o ninho nos cumes, entre as rochas, e se entoca numa agulha de rocha inacessível.

Mas, de onde lhe vem toda esta virtude? De onde ele haure a sua sabedoria? Resposta: ele bebeu da fonte do peito do Senhor (Jo 13, 23). Por isso é que ele nos comunica algo da divindade de Cristo e do arcano da Trindade: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, Ele estava com Deus. Tudo se fez por meio d’Ele, e sem Ele nada foi feito. N’Ele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a receberam” (Jo 1,1-5).

Estas palavras estão entre as coisas mais grandiosas e sublimes que foram ditas de Deus. Agostinho dizia que se o evangelista São João falasse mais alto nenhum dos mortais o compreenderia. No entanto, Frei Egídio de Assis, num diálogo com dois frades dominicanos, exímios teólogos, ousou afirmar que São João “nada diz de Deus”. Isso escandalizou os frades. Quando estes iam embora, frei Egídio, homem de grande contemplação, fê-los chamar e mostrou-lhes um monte. E propôs-lhes uma parábola: “Se houvesse um monte de sementes de milho tão grande como este, e mais embaixo, ao pé do monte, houvesse um passarinho a comer dele: quanto diminuiria num dia ou num mês ou num ano, ou quanto comeria este passarinho em cem anos? ”Os freis dominicanos responderam: “Quase nada diminuiria, mesmo em mil anos”. Então frei Egídio lhes disse: “Tão imenso e tão grande é o monte da sempiterna divindade que o bem-aventurado João, que foi como um passarinho, nada diz a respeito da grandeza de Deus” (Fontes Franciscanas, p. 1114). Assim foi que São João Evangelista, de águia, se transformou em passarinho, no pensamento de Frei Egídio. Ele disse isto, não para diminuir o santo evangelista, mas para mostrar a grandeza do mistério ao qual o evangelista se refere, como que balbuciando.

O Filho de Deus é chamado aqui de “Lógos”, em grego. A tradução latina diz: “verbum”. “Verbo” é palavra que tem uma força operativa, isto é, que é capaz de pôr em obra alguma coisa, diz Agostinho. O Filho de Deus nasce do Pai como a Palavra nasce daquele que a concebe. Nascer é vir à luz. O Filho é luz e imagem, isto é, expressão, do Pai: o “esplendor da sua glória e imagem da sua substância” (Hb 1, 3). O Filho, embora sendo outro, não é outra coisa do que o Pai. Isto quer dizer: ele é o mesmo, segundo a natureza, e é outro, segundo a pessoa. É chamado de “Palavra” ou “Verbo” porque diz, anuncia e enuncia, Aquele de quem procede, o Pai. É chamado de “Filho” porque, embora sendo outro enquanto pessoa, é da mesma natureza de quem procede, isto é, do “Pai”. O Pai é princípio sem princípio. O Filho está desde sempre neste Princípio, que é o Pai, e desde sempre dele procede, isto é, é gerado, nasce. N’Ele, o Pai se pronuncia a si mesmo de modo completo e perfeito. O Pai é como uma fonte oculta do ser. É doação de ser. O Filho é como o manancial que jorra desta fonte. É recepção do ser. Eternamente, num processo sem mutação, num devir sem tempo, o Filho nasce do Pai. Este Filho é, pois, o mesmo que o Pai (enquanto é Deus).

3.2. O nascimento no tempo

O segundo nascimento se dá dentro da história: “E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Por ser uma força operativa, o Filho, o Verbo é que põe em obra a vontade, o bem querer do Pai: tudo que existe, o visível e o invisível. Ele abraça tudo, conserva tudo, do mais elevado, um anjo, ao mais baixo, um vermezinho. Ele é a Sabedoria, a Arte, com a qual Deus criou todas as coisas.

Esta Sabedoria criadora é a luz dos homens (Jo 1, 4). Por isso, ser criatura, principalmente ser homem significa participar desta luz, deixar-se banhar na sua beleza e claridade para também ser beleza e luz.

O Natal mostra que a obra suma do Verbo, porém, à qual toda a criação está ordenada, é a sua própria encarnação e, por conseguinte, a nossa geração como filhos no Filho. O sumo, pois, de toda a história da salvação, de toda a obra de Deus no tempo, é indicado com as palavras: “E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). O homem só pode nascer de Deus se Deus nasce dos homens.

O Filho de Deus se fez filho do Homem e os filhos dos homens, por isso, puderam se tornar filhos de Deus. Assim como nossa palavra se faz voz, do mesmo modo também a Palavra do Pai se faz carne, isto é, toma uma forma pela qual ele pode se dar a conhecer aos homens. O Verbo invisível toma a forma visível de nossa humanidade. “Fez-se carne”: estas palavras indicam a união pessoal perfeita do Filho de Deus com a nossa natureza humana toda, inteira, em corpo e alma. Este evento central e, ao mesmo tempo, final, isto é, definitivo, derradeiro, da história – a encarnação do Verbo – mostra o amor terno, visceral, humilde de Deus por nós, os humanos. São Francisco viu e captou algo da ternura deste amor entranhado na figura da “Senhora Pobreza”.

São Boaventura, no “Itinerário da mente para Deus” se admira com este mistério da humanidade do nosso Deus: “O eterno se uniu com o homem temporal, nascido duma Virgem, na plenitude dos tempos. O Ser simplicíssimo se uniu com o ser essencialmente composto. O ser soberanamente em ato se uniu com aquele que extremamente sofreu e morreu. O ser perfeitíssimo e imenso se uniu com o insignificante. O ser sumamente uno e soberanamente tudo se uniu com uma natureza individual, composta e distinta das outras, isto é, com o homem Jesus Cristo” (VI, 6).

3.3. O Natal em nossa mente

O terceiro nascimento acontece em nós, pois, à medida que Ele se torna para nós um “filho que nos foi dado” (Is 9,5), nós nos tornamos para Deus filhos seus muito amados (Jo 1,12). Pois, ”àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus”.

Assim como Maria, cada alma, “naturalmente cristã” (Tertuliano), é chamada a gerar o Cristo em si mesma. Como Maria, a alma (o humano) que gera o Cristo em si mesma, há de ser virgem. “Virgem” quer dizer “solteira”, isto é, “solta”, “livre”. Livre para que? Para servir. Isto quer dizer: a alma que gera Cristo tem de ser “serva do Senhor”, na disponibilidade que diz: “eis-me aqui! ”, “presente! ”, “faça-se em mim segundo a tua palavra”. É desta disponibilidade virginal que vem a fecundidade para deixar Deus atuar em nós e fazer de nós “mães” do Senhor Jesus Cristo. São Francisco, na “Carta aos Fieis” (I) diz que aqueles que passam pela “penitência”, isto é, pela revolução da mente, que faz o homem voltar-se para Deus, se tornam “mães de Nosso Senhor Jesus Cristo”. E explica: “Somos mães, quando O levamos no coração e em nosso corpo, por amor divino e de consciência pura e sincera: O damos à luz pela santa operação que deve brilhar, em exemplo para os outros” (Fontes Franciscanas, p. 110).

Ao gerar Deus em si mesmo, o homem é também gerado em Deus. Torna-se filho no Filho de Deus, com o Filho de Deus, como o Filho de Deus. João, cujo nome significa “filho da graça”, diz que “àqueles que O receberam (a Jesus) e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12). A esta graça os cristãos gregos chamaram de “theiosis” e os latinos de “deificatio”: deificação.


Conclusão

“E a Palavra se fez carne e veio morar no meio de nós” não é apenas a culminância de todo o prólogo, mas também a culminância e a consumação de toda a história da humanidade: seu princípio e seu fim. A partir de então os homens, sua caminhada e a criação toda, não são mais os mesmos, como também Deus não é mais o mesmo. Os primeiros foram divinizados, tornando-se “deuses” e Deus torna-se um de nós: um Deus “humanado”. Por misso dizia a franciscana secular, Bem-aventurada Ângela de Foligno: Não há maior amor do que Deus fazer-se carne para tornar-me Deus.

Tão profunda e gloriosa é esta transformação que o Novo Testamento não tem receio de chamá-la, com toda a razão, de “nova criação”, “novo céu” e “nova terra”. São Francisco, por sua vez, contemplando tão admirável e santa comunhão, tão sublime casamento levou São Francisco a compor e proclamar este Salmo: “Este é o dia que o Senhor fez / exultemos e nele nos alegremos. Porque o santíssimo Pai do Céu nosso Rei antes dos séculos / enviou do alto o seu dileto Filho / e nasceu da bem-aventurada virgem santa Maria” (...). “Porque nos foi dado um menino santíssimo e dileto / e nasceu a caminho por nós e posto no presépio / porque não havia lugar na estalagem (Ofício da Paixão, Sl. XV).

Todo este profundo mistério foi admiravelmente contemplado e vivido por São Francisco e por todo o povo do vale de Rieti, no famoso “Presépio de Greccio”. Nosso Papa, falando deste “Admirável Sinal”, depois de afirmar que ele é como um Evangelho vivo, nos exorta a colocar-nos espiritualmente a caminho, atraídos pela humildade dAquele que se fez homem a fim de se encontrar com todo o homem, e a descobrir que nos ama tanto, que Se uniu a nós para podermos, também nós, unir-nos a Ele.


Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini

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