O ROSÁRIO COMENTADO - PARTE 2
1. OS MISTÉRIOS GOZOSOS
Nos mistérios gozosos transparece a alegria da salvação prometida por Deus e salvação essa que agora se concretiza e nos oferece, como um farol, um caminho ou uma meta para onde a humanidade deve caminhar.
1.1. O primeiro mistério gozoso reflete a anunciação do Anjo a Nossa Senhora (Lc 1,26-38)

Nesta perícope do Evangelho de Lucas, onde é anunciada a encarnação de Jesus, encontra-se elementos fundamentais da devoção a Maria, sua grandeza, etc. Talvez aí se encontra o núcleo fundamental da teologia mariana.
Em primeiro lugar, diferentemente do anúncio a Zacarias que acontece no Templo, o anúncio a Maria acontece na casa de Maria. Maria não é convidada para ir ao Templo para receber o anúncio. O Templo representava o sistema judaico, paralisado no tempo, imóvel, onde Deus, por assim dizer, era como que prisioneiro. Era necessário que esse modo de ser e agir, passasse por uma por uma limpeza e fosse-lhe tirada a poeira de muitos séculos. O anjo chega e se dirige a ela com uma frase que contém vários elementos importantíssimos a serem analisados: "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo!"
1.1.1. Ave! Alegra-te! (gr.: khaire!).
Maria, quando ouviu a voz do anjo, dizendo-lhe: "Ave!" (grego: khaire!), ela pensou que o anjo a estava saudando. Lucas escreveu o Evangelho em grego. No grego profano ou popular "ave", "khaire!" significava de fato uma saudação, ou seja, "olá!", "bom dia", "boa tarde", "oi" etc. Maria também assim a entendeu. Lucas, no entanto, quando escreveu o Evangelho, não tem diante de si o grego popular, mas a tradução do texto da bíblia hebraica para o grego, chamada de “Setenta” ou “Septuaginta”, onde “khaire” nunca significa saudação. Aquilo que rezamos, dizendo “Ave, Maria”, hoje diríamos “Alegra-te, Maria!” que é muito mais bíblico. O Anjo está querendo dizer a Maria: “Alegra-te!”, pois aquilo que Deus prometera aos nossos antepassados após o pecado cometido pelos nossos primeiros pais, agora através de ti, Maria, começa acontecer. Esse “Alegra-te” quer significar que a História da Salvação está dando um novo passo, porque, como diz Paulo, agora chegou a plenitude dos tempos, tempo esse que Deus quer que todos tenhamos a vida, e a vida em abundância (Jo 10,10).
1.1.2. "Cheia de graça (gr. kekharitomêne), o senhor está contigo!"
O “Cheia de graça”, também pode-se dizer: "agraciada". No português não se pode perceber o que essa palavra, na língua original, ou seja, o grego, quer dizer. É um perfeito passivo. No grego, o perfeito indica uma ação começada no passado e cujo efeito continua até o momento presente. Portanto Maria foi cheia de graça, ela continua sendo cheia de graça ainda hoje e o será para todo sempre. Por isso justifica-se o culto a ela ainda hoje e para todo o sempre. Além do mais, o passivo que indicar que Maria sofreu a ação de Deus. Não foi por méritos dela que ela é cheia de graça, mas por uma escolha livre de Deus que a tornou assim. Além disso, sendo uma ação de Deus, Maria poderia se apavorar diante do que poderia acontecer com ela. Por isso, como a tantos outros personagens do Antigo Testamento, lhe é prometida a assistência divina: "O Senhor está contigo!" (Lc 1,28). Essa promessa da assistência divina é também prometida a todo aquele que de uma ou outra forma opta por seguir o Senhor dentro da vocação concedida a cada convidado. Essa assistência acontece em todos os momentos da nossa vida pessoal, familiar ou religiosa, no trabalho profissional, no lazer etc.
1.1.3. "Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!"
Esta frase, na língua portuguesa, pode ser ambígua. Maria poderia ter percebido que diante de Deus nada adiantaria dizer um não. Estava tudo decidido e pronto! Mas não foi bem assim não! Na língua que Lucas usou para escrever o evangelho, se tem uma forma verbal chamada de optativo. Isso mostra que Maria se colocou livremente nas mãos de Deus para que o plano dele se concretizasse nela. Maria desejava, ansiava fazer parte do plano de Deus, mesmo não sabendo o futuro e as consequências disso. Maria, portanto, foi uma participante ativa e não passiva do plano de Deus. Maria se colocou nas mãos de Deus para o que desse e viesse a fim de que o projeto de Deus pudesse se concretizar em sua pessoa. Ela era alguém que ansiava, como tantas outras mulheres do seu tempo, que o projeto salvador de Deus de uma vez começasse acontecer. Todas elas queriam ser a mãe do messias e por isso desejavam ter o máximo de filhos possíveis para ver se um pudesse ser o messias esperado. Ela não foi vencida por Deus, mas foi con-vencida, isto é, que ela participaria livre e ativamente do plano que Deus tinha a seu respeito. Como Maria, cada ser humano deve se deixar convencer por Deus a fim de que, com toda a liberdade e não impositivamente, possa arregaçar as mangas e junto com Deus realizar nele a vontade Dele.
Dr. Frei Romano Dellazari, ofm
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