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14º DOMINGO DO TEMPO COMUM


Leituras: Is 66,10-14c; Sl 65,1-3ª.4-5.6-7ª.16.20; Gl 6,12-14; Lc 10,1-12.17-20


Tema-Mensagem: Discípulos-missionários essência do ser cristão

Sentimento: gratidão-alegria


Introdução

Nada melhor para nos introduzir na alegria do mistério que celebramos neste domingo do que a primeira frase do Evangelho proclamado hoje: O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e a todo lugar aonde Ele próprio devia ir.

1. Chamados-enviados - discípulos-missionários (Lc 10,1-12.17-20)

É próprio dos grandes mestres dizer muito ou tudo no pouco. É o que faz Jesus no evangelho de hoje. Em meia página, diz toda a nossa identidade de cristãos: chamados-enviados, discípulos-missionários de sua pessoa e de sua mensagem.

1.1. Ir pelo mundo sem nada

A maneira como Jesus apresenta a evangelização e a identidade dos seus seguidores, parece muito pouco quando a contrastamos com a nossa, hoje, fortemente carregada de conteúdos, doutrina, tratados, verdades, métodos e estratégias. Quem compreendeu e fez isso muito bem foi São Francisco. Parafraseando o evangelho de hoje, num breve texto de apenas cinco linhas e com o título Como os Irmãos devem ir pelo mundo (RNB 14) disse tudo.

O texto original latino da Regra diz debeant e não debent. Literalmente dever-se-ia traduzir por devam. Devam, ao invés de devem, aponta para a dinâmica da exortação ou da convocação de uma responsabilidade que brota da afeição interior que tem sua origem na graça do encontro e não de uma imposição forçada, vinda de fora, de estranhos como, por exemplo, de um patrão ou chefe. Em outras palavras, a missionariedade cristã, segundo São Francisco, tem sua origem no cultivo da própria identidade cristã ou crística, que, por sua vez, nasce do vigor da gratuidade do encontro do chamado e da resposta.

O modo, porém, só se torna atual e atuante quando assumido e concretizado pelo evangelizador; é na medida em que ele com-forma todo o seu ser com a verdade mais profunda Daquele que o chamou que vai acontecendo a evangelização. Em outras palavras, bom missionário, diz São Francisco, é aquele que cuida bem de sua forma de vida. E qual é esta forma de vida? O seguimento radical que Cristo expressou com a exortação: Não leveis nem sacola, nem alforje, nem sandálias...

Desse princípio percebe-se claramente que o protagonista da evangelização jamais é o evangelizador com sua sabedoria, competência ou recursos e nem mesmo o evangelizando com sua cultura, sua linguagem, costumes, disposição ou boa vontade, mas sim, o mistério originário que a ambos e a tudo envolve: Jesus Cristo crucificado, a Sabedoria de Deus, revelação suprema do sem nada de próprio do próprio Pai (Cf. 1Cor 1,17).

Esse modo de ser missionário vem muito bem descrito pelo Apóstolo Paulo: Quando fui ter convosco, irmãos, não fui com o prestígio da eloqüência nem da sabedoria anunciar-vos o testemunho de Deus. Julguei não dever saber coisa alguma entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado (1Cor 2,1-2)

Antes de nossa evangelização existe, pois, o envio, a missão de Deus mesmo, que nos escolhe, elege e enxerta em Jesus Cristo supremo, único e verdadeiro Enviado e Missionário do Pai. Nosso Deus, diz a Escritura, é um Deus adveniens, isto é, Deus que sempre ad-vem para o íntimo de cada criatura e de cada um de nós, seus filhos queridos. Um “Deus em saída”, como gosta de dizer nosso Papa Francisco. Eis o princípio, a origem e o fim de todo chamado-enviado, discípulo-missionário, enfim a fonte de toda missão e evangelização cristã.

1.2. Dizer sempre: Paz a esta casa!

Assim, quando Cristo, e depois Francisco, diz que os discípulos (os frades) devem ir pelo mundo sem sacola, nem alforje..., mais que um movimento físico-geográfico, está convocando-os a ver, descobrir em cada pessoa, criatura ou situação, em cada cultura, povo ou mentalidade a pa, a misericórdia do Pai.

Jesus, e depois Francisco, ordena: Dizei. Dizer, porém, antes de mero meio de comunicação é empenho para fazer vir à fala, à luz, todo um mundo, toda uma realidade que está aí, esperando ser despertada do sono de sua existência originária. Pois, tudo o que está aí, à nossa frente, a modo de caos ou ordem, pecado ou graça, presta-se a mil e uma possibilidades ou mundos. Como na criação, quando Deus em dizendo faz surgir do caos um mundo de criaturas mil, uma ordem admirável de milhares de seres irmanados na diversidade, agora o evangelizador é convocado e enviado, como Cristo, para acordar este mundo da paz, da ordem no qual todas as criaturas estão mergulhadas e assentadas. Enfim, fazer ressurgir o paraíso que se perdera.

Assim, a missionariedade cristã e franciscana deve ser caracterizada, antes e acima de tudo, em nada levar ao evangelizando, nem mesmo a paz. Pois é da convicção dela que o evangelizando já está na paz do Senhor. Como Jesus Cristo que, em vindo no meio do silêncio da noite, também o discípulo do Senhor, o franciscano, no silêncio de sua humilde e escondida presença, não se faz de agente ou promotor da paz, mas, apenas a procura como tesouro escondido e encarnado em toda e qualquer situação, circunstância ou criatura, mesmo naquelas que, aparentemente, como Judas e os algozes de Jesus, parecem enraizadas na mais profunda discórdia, divisão ou belicosidade. Sua primeira e mais fundamental missão é, pois, apenas dizer: Paz!, Ou seja: que jamais digam que aqui ou ali não há paz, ou que aqui e ali não é possível a paz. Dizer “Paz” ou “Bem”, significa, enfim, crer que na raiz de todas as criaturas e acontecimentos está o vigor da misericórdia do Pai, o sumo Bem, o Bem inteiro, o único bem (LH Oração), trazido e encarnado no mundo por seu Filho Jesus Cristo crucificado, o reconciliador (pacificador) de todas as criaturas.

1.3. Comam e bebam do que lhes for oferecido

Dita a saudação da paz, Jesus ordena aos discípulos e depois Francisco aos frades, que comam e bebam do que lhes for servido.

Chama-nos a atenção que Jesus e Francisco se expressem novamente num tom de convocação e não em termos meramente condicionais. Estamos diante de um mandato: que se coma e se beba.

Mas, no humano, antes de um fenômeno meramente biológico, comer sempre está referido ao sentido da vida. Assim, quem deseja ser monge ou bailarino não vive de churrascos e cervejadas. Cada profissão pede e exige seu pão, sua bebida própria e adequada. Por isso Jesus diz que seu alimento e nosso pão de cada dia é fazer a vontade de seu Pai. Qual seria, então, o pão, o alimento que devem sustentar e fortalecer a caminhada missionária do cristão?

A resposta é simples e lacônica: o que lhes for servido, diz Jesus e depois Francisco. E o que lhe será servido o missionário não pode saber nem imaginar, muito menos determinar ou querer com antecedência. Em outras palavras, o Mestre está desafiando o discípulo-missionário a aprender a revigorar-se no modo de ser do próprio Deus: sem nada de próprio, acima descrito.

Na Última Ceia, quando o Senhor faz aos Apóstolos o testamento de sua missão, ordena que comam e bebam do seu corpo e do seu sangue, isto é, que busquem, sempre e tão somente, como sua única comida e bebida, a dinâmica de sua Cruz. Quem quisesse ir pelo mundo em seu nome devia, também, como Ele, alimentar-se, sempre e tão somente daquilo que os homens lhe apresentassem, fosse acolhimento ou rejeição, bênção ou maldição, graça ou cruz, vida ou morte. Em outras palavras, a essência da evangelização é a celebração ou o cultivo da eucaristia, da caridade pura, limpa, inocente. É por isso, também que no início do discurso Ele os envia “dois a dois”. Se fossem um por um, sozinhos, como os discípulos iriam aprender a lavar os pés, fazer o exercício da caridade, essência de toda a evangelização?

1.4. Ficai alegres porque vossos nomes estão inscritos no céu

A última parte doa perícope do evangelho começa falando da possibilidade da rejeição. No centro desta exortação Jesus ordena que neste caso os discípulos devem jogar fora ou sacudir até mesmo a poeira, o pó, o lixo daquela gente que se apegou em seus pés. Em outras palavras, Jesus está dizendo que não se deve perder tempo, muito menos a paz interior com proselitismos, mágoas ou desgostos que às vezes os aparentes fracassos da missão nos proporcionam. Ao evangelizador não compete ficar medindo ou buscando resultados, muito menos insistindo a modo de impertinente negociante, quase que exigindo que o infiel abrace a fé ou se converta. Ao evangelizador basta anunciar o Evangelho. Se aqui não nos aceitam, vamos adiante pois a messe é grande e poucos os trabalhadores.

Em seguida, ao contentamento dos discípulos por causa do sucesso, Jesus respondeu: “Eu vi Satanás cair do céu como um relâmpago”. Tendo em mente que a essência de toda a evangelização não é outra senão o mistério ou caminho da humilhação de Deus manifestados na encarnação e na cruz, é evidente que todo Demônio da prepotência, da soberba caem por terra, de supetão, como um raio quando se faz este anúncio.

Mas, logo acrescenta duas coisas importantes. Primeiramente que este poder é Dele e não deles e que, enfim, deviam estar alegres, não porque os espíritos lhes obedeciam mas porque “vossos nomes estão inscritos no céu”. Ou seja, Ele está chamando a atenção que o princípio de toda esta maravilha está no “céu”, isto é, no Pai em cujo coração estão gravados os nomes, as pessoas deles, seus eleitos, sua propriedade amada.

2. Jerusalém a mãe que consola, amamenta e carrega seus filhos (Is 66,10-14c)

A primeira leitura de hoje é de Isaias, mais precisamente, do final das profecias referentes à consolação. Jerusalém é vista como uma mãe solicita e cheia de felicidade, uma mãe generosa que oferece aos filhos o seio de seu ventre a fim de que lhe suguem a consolação, a paz.

Jerusalém que provara durante séculos o amargor da escravidão da desolação provará em breve a paz. Eis uma bela e antiga figura da Igreja como “mãe e mestra“ (João XXIII). “Uma Igreja de coraão aberto” e “em saída, com as portas abertas”. Uma Igreja que sai “em direção aos outros para chegar à perderias humanas... Uma Igreja chamada a ser sempre a casa do Pai“ (EG 46-47).

3. Paulo o Evangelho vivo (Gl 6,12-14)

A segunda leitura vem do Apóstolo Paulo, o escolhido como um abortivo (1Cor 15,8) para ser enviado aos gentios. Em contraposição de outros evangelizadores – os judaizantes, que anunciavam a lei e a circuncisão como meios de salvação - Paulo faz questão de insistir: “Quanto a mim que eu me glorie somente na cruz do Senhor nosso, Jesus Cristo”.

Eis, mais uma vez, o protagonismo do chamado e da evangelização: Jesus Cristo crucificado. Aqui chegamos ao sumo, ao objetivo maior de todo evangelizador e de toda a sua evangelização: identificar-se com o único chamado-enviado, discípulo-missionário: Jesus Cristo Crucificado. Assim Paulo e mais tarde Francisco, carregando no próprio corpo os sinais da Cruz, não são mais apenas evangelizadores, mas o Evangelho vivo. De si mesmo Paulo proclama: Doravante, que ninguém me moleste, pois eu trago em meu corpo as maras de Jesus” (Gl 6,17). E de Francisco, São Boaventura diz que o amor de Cisto havia transformado o amante na própria imagem do amado... Frâncico, pregado na carne e no espírito com Cisto na cruz, não só ardia no amor seráfico por Deus, como também sentia a mesma sede de Cristo pela salvação dos homens (LM 15,3.5; 14,1).

A essência e o fruto de toda evangelização, portanto não é outra senão a identificação do evangelizador com Aquele que o envia e com sua mensagem. Assim, evangelizador antes de meio, instrumento ou herói, é essencialmente um testemunho ou mártir. Por isso, se no primeiro caso o evangelizador como instrumento vai se gastando e se desgastando até tonar-se inútil, no segundo vai se plenificando até o ponto de ser um com seu senhor. Na evangelização, quem mais se evangeliza não é o evangelizando mas o evangelizador.

Conclusão

Ao fazer menção do “céu” no final de seu discurso missionário, Jesus, nos remete para a fonte de toda a evangelização. Mais que um lugar ou tempo depois da morte, céu é o mistério insondável da origem de tudo e de todos: a Trindade santa. Por isso, em outras ocasiões Jesus ordenara que os discípulos fossem pelo mundo inteiro para batizar a todos os povos “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

Quem compreendeu bem esta origem e a essência de toda a evangelização foi São Francisco, como podemos ver neste belo resumo de pregação que redigiu para todos os frades:

Todos os meus irmãos, sempre que lhes agradar, podem anunciar estas ou semelhantes palavras de exortação e louvor a todos os homens, com a bênção de Deus: “Temei e honrai, louvai e bendizei, rendei graças e adorai o Senhor Deus onipotente na trindade e na unidade, Pai, Filho e Espírito Santo, o criador de todas as coisas” (RNB 21).


Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini.

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