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PISTAS HOMILÉTICO-FRANCISCANAS



Liturgia da Palavra: Ml 3,19-20ª; Sl 97; 2Ts 3,7-12; Lc 21, 5,19

Tema-Mensagem: Permanecendo firmes é que ireis ganhar a vida

Sentimento: paciência generosa

Introdução

O tema do fim do mundo que, por vezes, atemoriza muitas pessoas, acompanha a história dos homens e de cada um de nós. Por isso, todos os anos, a Igreja aproveita a aproximação do fim do Ano litúrgico para celebrar o testemunho e o grande ensinamento de Jesus acerca desta preocupação.


1. Templo e fé (Lc 21, 5,19)

O Evangelho de hoje começa com uma observação um tanto dramática por parte de Jesus: “Como alguns falassem do Templo, da sua ornamentação de belas pedras e dos ex-votos, Jesus disse: “Do que contemplais, dias virão em que não restará pedra sobre pedra: tudo será destruído”. Antes de Jesus, vários profetas já haviam anunciado a ruína do primeiro Templo, construído por Salomão (Mq 3, 12; Jr 7, 1-15; 26, 1-19; Ez 8-11).

1.1. O contexto - Jesus chega a Jerusalém diante do templo

Nos últimos domingos seguimos Jesus que, movido pelo ardente desejo de conquistar e formar um novo Povo para seu Pai, um Povo que o adorasse “em espírito e verdade”, subiu para Jerusalém. Vendo, porém a dureza de coração da cidade santa e amada, chorou e se lamentou: “Ah, se tu também tivesses sabido, neste dia como achar a paz... Mas, infelizmente isto ficou oculto aos teus olhos!” (Lc 19, 42). Jesus, porém, precisava traduzir sua paixão numa obra que fosse capaz de comover e converter de novo, de modo radical, definitivo e perfeito os homens para o Pai; uma oferenda, um gesto que se tornasse o princípio, a fonte de uma nova humanidade. Este Ato foi a Cruz.

Dentro deste contexto é que se desenrola o Evangelho de hoje. A construção, a destruição e a restauração do Templo acompanham a caminhada religiosa do povo judaico. A fé na Aliança sagrada levou Salomão e seu povo a erguer o primeiro e suntuoso Templo judaico. Mas, as sucessivas infidelidades proporcionaram as diversas destruições; os arrependimentos e as conversões, por sua vez, proporcionavam sua restauração. O Templo, portanto não era apenas Templo. Fé, Aliança viva era Templo erguido; Fé, aliança arruinada era Templo destruído; Fé, aliança “re-estabelecida” era Templo reerguido.

O último discurso público de Jesus, portanto, anuncia não apenas uma nova e próxima destruição do Templo, mas também que esta será definitiva, total e absoluta: “Não ficará pedra sobre pedra”. Por Israel haver rejeitado o enviado de Deus - o Senhor do Templo e da Aliança - em seu lugar haverá um novo Templo erguido, não mais com pedras mortas, mas com pedras vivas; uma nova Aliança selada não mais com o sangue de bois e carneiros, mas com o sangue de Jesus. Um novo Povo seria criado, composto de homens vindos de todos os povos da terra, para toda a terra e para sempre.

1.2. A questão não é quando, mas como...

Os ouvintes, porém, parecem não captar a força das palavras de Jesus. Interpretam como se Ele estivesse falando do fim deste mundo em seu sentido físico, material, quando tudo seria queimado, destruído, virando cinzas, um grande nada. Por isso, perguntam: “Mestre, quando é que acontecerá isso e qual será o sinal de que isso vai se realizar?” Jesus, então, aproveita a pergunta para falar-lhes não do fim como término ou destruição, mas como sentido do mundo, da história e de todas as coisas. O decisivo, aqui, não é, com efeito, o quando vai acontecer, mas o como do relacionamento do ouvinte com o que se anuncia nas palavras de Jesus. Ou seja, o importante é o que e como fazer para poder permanecer de pé, na consumação de todas as coisas, isto é, no encontro com Cristo, em sua vinda definitiva. O crucial é como o homem de fé vai resistir, mantendo-se firme no seguimento de Cristo crucificado, novo, último e definitivo sentido da vida e da história; como vai permanecer fiel, suportando as perseguições, as prisões, enfim todos os apuros e apertos que a história irá lhe apresentar? O que e como fazer para não destruir o novo Templo, a nova Aliança? O que e como o novo Povo de Deus, que será inaugurado por Ele na Cruz, deve fazer para que não se corrompa jamais indo atrás de outros deuses ou ídolos?

1.3. As respostas de Jesus

Vem então as respostas de Jesus

1.3.1. Atenção para com os falsos messias

A primeira resposta vem assim expressa: “cuidado para não serdes induzidos em erro, pois muitos virão tomando o meu nome. Eles dirão: ‘sou eu’ e ‘chegou o momento’; não os sigais” (Lc 21, 8). A sedução ou indução ao erro pelas aparências, onde o mal não aparece propriamente como mal, mas como um bem, o lobo como ovelha, é uma constante em nossa vida. Por isso, Jesus adverte para o perigo dos falsos messias, dos falsos cristos.

Os apóstolos advertirão, por sua vez, os cristãos, para o perigo do “anti-cristo”, isto é, do cristo aparente. Por isso, acrescenta: “não os sigais”. O cristão se define como aquele que segue Jesus, o Cristo crucificado, o Cristo da cruz. Por isso, ele não pode jamais, em meio às tribulações da história e às seduções dos valores deste mundo (Cf. “Mundanismo espiritual” – EG 93-97) perder de vista esta Nova Aliança, este novo Templo de Deus, este novo coração, esta nova alma de sua alma, de sua vida.

1.3.2. Não vos assusteis

E Jesus segue advertindo: “Quando ouvirdes falar de guerras e de insurreições, não vos assusteis. Pois, é preciso que isso aconteça primeiramente, mas não será logo o fim” (Lc 21, 9). São Gregório dizia que as flechas que são previstas nos ferem menos. Por isso, as palavras de Jesus falam dos males que devem acontecer antes da consumação da história. É preciso não ficar alarmado, assustado, apavorado, frente às suas calamidades e tribulações. É necessário prevenir-se, com lucidez, com sobriedade e vigilância, contra certa inquietação apocalíptica baseada numa falsa compreensão das palavras de Jesus ou dos Apóstolos.

1.3.3. Trabalhar com tranquilidade (2Ts 3,7-12)

Outra postura inadequada para um discípulo de Jesus diante da escatologia vem assim descrita pelo Apóstolo Paulo na 2ª leitura de hoje: “’Quem não quiser trabalhar, também não deve comer’. Ora, ouvimos dizer que entre vós há alguns que vivem à toa, muito ocupados em fazer nada”. O erro desses cristãos estava no fato de terem transformado a mensagem escatológica num pretexto para viver na ociosidade, agitando-se para lá e para cá, ocupando-se apenas com discursos vãos, vazios de trabalhos, obras e frutos. Já que o fim do mundo é certo e está próximo, pensavam eles, para que trabalhar?!

Atiravam-se, assim, nas costas dos outros como fardos pesados. Daí a ordem de Paulo: “que trabalhem com tranquilidade e comam o pão que eles mesmos ganharam” (2 Ts 3, 12). Ele mesmo, Paulo, dera o exemplo, de uma vida de trabalhador: “não pedimos a ninguém que nos desse o pão que comemos, mas com esforço e fadiga trabalhamos, noite e dia, para não ser de peso a nenhum de vós” (2 Ts 3, 8). Assim, a mensagem escatológica do fim do mundo, em vez de servir de pretexto para uma fuga da história, da vida cotidiana, das suas responsabilidades mais concretas, deve levar os cristãos a se encarnarem cada vez mais no subterrâneo da “terra dos homens”, como fizera o mesmo Jesus com sua encarnação[1].

1.3.4. Perseguidos por causa de meu nome

O tempo da Igreja, do cristão, inaugurado por Cristo na Cruz, é anunciado por Ele mesmo como o tempo de perseguição e de testemunho: “sereis presos e perseguidos, sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa de meu nome” (Lc 21,12). A perseguição, porém, não vem só de fora, de estranhos; ela surge, também, de familiares e íntimos e pelas forças diabólicas da soberba, do orgulho, da “autoreferencialidade” que imperam também no íntimo de cada um de nós. Segundo São Gregório os tormentos mais cruéis a que um homem é desafiado a suportar são aqueles que são causados pelas pessoas mais queridas. A dor do amor perdido, que atinge o coração do homem, é mais forte do que a dor infligida ao corpo.

Assim, com este discurso, o Senhor não está querendo incutir medo e terror, mas preparar e imprimir no coração de seus discípulos um novo espírito: o espírito da Cruz, da paciência.

1.3.5. Na vossa paciência possuireis vossas almas

Vem, então a conclusão de todo este Evangelho, que é também sua mensagem central: “Na vossa paciência possuireis as vossas almas” (Lc 21, 19). Muitas vezes a paciência é confundida com conformismo, passividade estéril, falta de vigor e jovialidade. A frase, porém, parece apontar para o contrário: um trabalho muito grande, intenso e importante, pois é dele, deste trabalho, que vai surgir a alma de um discípulo, de um seguidor e mártir de Cristo. Se, para Cristo, sua alma de Messias e Salvador brilhou e se consumou somente mediante seu padecimento, sua Cruz (“Consumatum est”), o mesmo valerá também para seu discípulo: só verá surgir, brilhar e se consumar sua alma de seguidor-enviado, de cristão se permanecer firme no meio das perseguições e adversidades deste mundo.

Há nos “Atos do Bem-aventurado Francisco e dos seus companheiros” um capítulo engraçado: “Como Frei Bernardo de Assis foi enviado a Bolonha e ali fundou um convento”. O texto começa dizendo que tanto Francisco como os primeiros frades “foram chamados por Deus da Cruz e para a Cruz ... e que por isso eram, com razão, vistos como, e de fato eram, homens do Crucificado... Carregando a Cruz no vestir e no comer, e em todos os seus atos desejavam mais os opróbrios de Cristo do que as vaidades do mundo e as lisonjas enganosas”. Assim, Bernardo, armado com este espírito, partiu para Bolonha onde todos os dias, dirigia-se à praça da cidade para receber os maus tratos, as injúrias, os opróbrios daqueles cidadãos. E, quanto mais e maiores eram as injúrias, mais ainda “mostrava um ânimo intrépido e um rosto disposto”. E então vem a conclusão que nos interessa: “E a paciência tem a obra perfeita e a confirma”. A frase parece meio complicada, mas, olhando com vagar não é difícil descobrir seu significado: que o espírito, o modo de ser, a alma de Cristo crucificado, que Francisco e aqueles frades tanto amavam e desejavam possuir, acima de tudo, segue e percorre o caminho da obra. Só chegará à sua perfeição e confirmação no padecimento, na paciência. Mas, como é este modo de ser da paciência? É como Bernardo em Bolonha: o modo de ser de um coração dócil e bem disposto, sempre pronto para bem receber as graças, os benefícios que a vida nos envia através das perseguições, maus tratos e tribulações. É, enfim, o modo de ser da “recepção que colhe e recolhe, acolhe de todo, inteiramente, com ânimo disposto, com gratidão e cordialidade o modo de ser de Jesus Cristo, Homem-Deus, Crucificado” (Harada).

Neste sentido, ser paciente é “permanecer em Cristo, permanecer em seu amor” (Jo 15); é ficar atrás Dele como Ele ficou atrás da Vontade do Pai, como alguém que dá suporte, que sustenta; é “ficar quieto”, “ficar calmo”, sereno, suportando o seguimento de Cristo não a modo de uma resignação ressentida, rancorosa, indisposta, mas de modo vivo, alegre, vigoroso como quem suporta, carrega um tesouro a exemplo da mãe que sub-porta, carrega em seu seio o tesouro da vida: o filho querido.

Neste sentido a paciência anda de mãos dadas com a esperança. A mãe espera o nenê em seu seio. Por isso, isto é, por ele ela é paciente e é paciente porque o espera. Assim, também o discípulo de Jesus, no meio das tribulações desta vida, saberá esperar na paciência e ser paciente na espera da vinda definitiva de Jesus.

Como discípulos de Cristo, não se trata, pois, de viver nossa paciência, mas a paciência de Cristo, tão bem revelada no mistério de sua paixão e Cruz. Paulo, com efeito, fala da “hypomoné tou Christou”, isto é, da “paciência do Cristo” (2 Ts 3, 5). E João, no Apocalipse, apresenta-se aos seus leitores cristãos como irmão e companheiro na tribulação (thlipsis), no reino, e na “paciência em Jesus” (Ap 1, 9). Lucas, o evangelista que nos acompanhou neste ano, recorda-nos, por sua vez, a parábola da boa semente, contada por Jesus. “Aquilo que está na terra boa são os que ouvem a palavra num coração nobre (belo e bom), a retêm e a fazem frutificar no vigor da paciência” (karpophorousin en hypomonê).


2. O dia do sol da justiça (Ml 3,19-20ª)

Como os demais profetas, também Malaquias, do qual se proclama hoje este trecho, se ocupou com a questão do fim do mundo: Eis que virá o dia, abrasador como fornalha...

Estamos diante do famoso “Dia do Senhor”, dia preparado por Deus para seus eleitos, dia em que a justiça divina se revelará em sua plenitude em meio a tantas injustiças humanas. Será um dia de medo e de terror, de fogo purificador, abrasador como uma fornalha, de modo que todos os soberbos e ímpios serão como palha. Deus mesmo com sua misericórdia será este fogo que irá devorar tudo deles, de modo que não reste nada deles, nem raiz e nem folhas.

Eis que então, a partir desta purificação, que vai até a raiz da maldade humana, nascerá um novo Dia, o “Dia do Senhor”. Dia eterno para todos aqueles que temem, isto é, que amam, acolhem e se associam ao nome do Senhor e sua obra. Um dia sem fim porque será um dia da justiça divina, isto é uma justiça sem medidas porque sustentada pela misericórdia de Deus. Por isso, será também um Dia de salvação, isto é, que trará a paz interior e exterior. Interior porque o homem estará de novo reconciliado com Deus e exterior porque todos os homens serão de novo não nascidos do homem, mas de Deus. É assim que começou “o Dia” da era messiânica, quando despontou para todos o verdadeiro Sol da justiça, Cristo. A nós compete, unidos a Ele e seguindo seus passos, leva-lo até sua consumação.


Conclusão

Em vez de interpretações alarmistas e aterrorizantes, o Evangelho do fim do mundo nos convoca a fazer das vicissitudes de nossa história o momento para conquistar sempre mais e de novo, na santa paciência, isto é, no padecimento de Cristo, nossa alma de cristãos. Por isso, diz Bonhoeffer: “Não é o ato religioso que faz o cristão, mas sua participação no sofrimento de Deus dentro da vida do mundo”. Amém!


Fraternalmente,

Marcos Aurélio Fernandes e Frei Dorvalino Fassini

1 Qual será a solução para uma justa relação entre as penúltimas e as últimas “coisas”? Resposta: Jesus Cristo. A realidade de Deus e a realidade do homem são uma única realidade nele. É o milagre da encarnação. Nele, o ódio contra o existente, contra a história, o tempo, não tem lugar. Todo o ressentimento com o penúltimo, que anima o radicalismo deve, pois, ficar excluído.. Desde o milagre da encarnação, a amargura, a desconfiança, o desprezo do homem e do mundo, não tem lugar no espírito do cristão. De igual modo, o ódio contra o último não tem lugar no espírito do cristão. Ele sabe: o céu e a terra hão de passar, mas não a palavra de Cristo. As duas soluções antagônicas são defasadas, a saber, a do radicalismo fundamentalista apocalíptico e a do compromisso acomodado, são dois ódios: “o radicalismo odeia o tempo, o compromisso acomodado odeia a eternidade; o radicalismo odeia a paciência, o compromisso acomodado odeia a decisão; o radicalismo odeia a sabedoria, o compromisso acomodado odeia a simplicidade; o radicalismo odeia a medida, o compromisso acomodado odeia o incomensurável. O radicalismo odeia o real, o comodismo odeia a Palavra” (Bonhoeffer). Por isso, só em Cristo a relação entre o penúltimo e o último encontra solução.


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