O PANO DE FUNDO RELIGIOSO DA PRIMEIRA CARTA DE SÃO JOÃO

Poder-se-ia iniciar esta reflexão sobre o pano de fundo religioso da primeira Carta de São João dizendo seguinte: O autor do Evangelho de São João nos apresenta os ensinamentos de Jesus. O autor da primeira Carta de São João quer mostrar se o modo de viver e de agir dos indivíduos e das comunidades está de acordo com os ensinamentos do Evangelho.
Na época em que a Carta foi escrita ainda não existia um catálogo de verdades, ou seja, um catecismo onde as pessoas pudessem dirimir dúvidas. Foram exatamente as dúvidas e interpretações que não estariam de acordo com os evangelhos, e no nosso caso, do evangelho de São João, que fez com que o autor da primeira carta de São João reagisse contra falsas doutrinas a respeito de Jesus na sua época.
Um primeiro dado que se tem a partir da própria carta é que o confronto não foi contra outras religiões, mas um confronto surgido a partir de uma crise dentro das próprias comunidades joaninas quando diz: “Ouvistes dizer que o Anticristo deve vir; e já vieram muitos anticristos... Eles saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos” (1Jo 2,18-19). O texto deixa entrever um confronto entre dois grupos. De um lado está o primeiro grupo, do qual a primeira carta se faz de porta-voz. De outro lado está o grupo acusado de ter abandonado a fé autêntica e de ter rompido com a unidade eclesial. O confronto é de natureza cristológica. Deve-se estar ciente de que as verdades de fé a respeito de Jesus ainda não existiam.
Um segundo dado que se deve ter presente é o fato de que neste tempo estava em ascensão uma nova doutrina chamada de “gnose” ou “gnosis” = “conhecimento”. Ela era praticada por diferentes seitas gnósticas. Apesar de que os escritos propriamente gnósticos sejam posteriores à carta, pois os primeiros escritos gnósticos datam de mais ou menos 150 d.C., as ideias gnósticas estavam presentes na vivência diária das pessoas. O evangelho de São João mostra isso quando o autor do evangelho faz uso de uma linguagem eivada de termos gnósticos. Os gnósticos consideravam, em princípio, a natureza como má, inferior e em oposição ao conhecimento. Isso relativizaria a importância da encarnação. Afirmava-se que a apresentação de Jesus num corpo era fictícia ou temporária apenas. Era apenas para que Jesus pudesse comunicar sua mensagem de revelação aos homens. O Evangelho de São João, no entanto, afirma categoricamente que Jesus se encarnou quando diz: “a Palavra se fez carne e armou sua tenda no meio de nós” (Jo,1,14). Outro dado importantíssimo que esses grupos relativizavam é a importância da encarnação para a redenção da criação. Ainda não existia a doutrina da dupla natureza de Cristo, ou seja, que Jesus é Deus e homem. Cristo (Deus) e o homem Jesus são a mesma pessoa (1Jo 2,22). Sua paixão, morte e ressurreição são essenciais para a redenção de tudo o que existe. Por meio delas acontece a salvação dos seres humanos. Cristo cumpriu sua missão sendo plenamente Deus e homem. A impecabilidade que os gnósticos se arrogam possuir no seu individualismo não é um estado conquistado pelo conhecimento apenas. É uma vocação que todo crente deve buscar. A busca da perfeição está profundamente conectada no amor ao próximo. A fé desconectada do amor é uma ilusão. Ela põe em perigo a comunhão eclesial. A primeira Carta aconselha a lutar contra o pecado, preservar-se desse mundo (deste sistema ou ordem) e lutar contra os Anticristos promotores do subjetivismo, isolacionismo, auto-suficiência, entre os quais, hoje, pode incluída a Nova Era.
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