Dia 19 de março, festa de São José. Papa Francisco, com a Carta Apostólica Patris Corde, “com o coração de pai”, por ocasião do 150º aniversário da declaração de São José como Padroeiro Universal da Igreja, dedicou esse ano ao santo. Em tempos de uma pandemia tão assustadora, o que significa dar destaque a essa figura tão discreta no contexto da história da salvação? Quais elementos ele nos oferece como contribuição para a travessia cultural que vivemos? A partir de alguns pontos da carta do Papa, tentemos responder essas questões para iluminar nossa caminhada de fé e vida numa época de tantas vulnerabilidades. Segundo o Evangelista Mateus, José era carpinteiro (Cfr. Mt, 13, 55) e um homem justo (Cfr. Mt 1, 19). Para defender Jesus de Herodes, fugiu para o Egito (Cfr. Mt 2, 13-18). Segundo Lucas, ele foi testemunha da adoração dos pastores (cf. Lc 2, 8-20) e, juntamente com Maria, ficou angustiado com a perda do menino no Templo (Cfr. Lc 2, 41-50). Além desses versículos bíblicos, não encontramos muitas outras referências. No entanto, Papa Francisco diz que “depois de Maria, a Mãe de Deus, nenhum santo ocupa tanto espaço no magistério pontifício como José, seu esposo”, lembrando que São João Paulo II o chamava de “guardião do redentor”. Encanta-nos precisamente isso: uma paternidade discreta, mas que ocupou lugar fundamental no mistério da salvação. As características destacadas na carta Patris Corde dão testemunho disso. Papa Francisco começa exaltando São José como pai amado ao qual sempre recorremos. É comum, na tradição de nosso povo, encontrar muitas pessoas que a ele recorrem em suas necessidades. Logo depois de exaltar sua bondade previdente, a carta recorda-nos a dimensão da ternura. Mesmo nas angústias e incompreensões, José acompanhou, carinhosamente, Jesus em seu desenvolvimento humano integral, ao vê-lo crescendo em estatura, sabedoria e graça (Cfr. Lc 2, 52). Em outro trecho, o Papa o nomeia como pai na obediência. Nesse ponto, são recordados os três sonhos. No primeiro, quando queria abandonar Maria (Cfr. Mt 1, 20-21); no segundo, quando foi avisado para fugir com o Menino para o Egito (Cfr. Mt 2, 13); e, no terceiro, quando foi convocado para retornar. Sonho, já sabemos, é mensagem do mais profundo da alma. Logo, o mistério de Deus habitava seu coração sonhador. Outra característica destacada é a de pai no acolhimento. Mesmo sem entender muita coisa, acolheu os desígnios de Deus, não procurando atalhos fáceis. Deixou-se conduzir pela graça divina, fazendo sua parte. E por isso, tornou-se pai criativo, encontrando, nas dificuldades, as possibilidades de fazer o melhor para Jesus e Maria. Lembremo-nos que, como estrangeiro no Egito, certamente teve que descobrir caminhos para o sustento da família. Por isso, é também reconhecido, hoje, como guardião da Igreja porque ela é a extensão do Corpo de Cristo. Outra qualidade é a do pai trabalhador, do qual Francisco destaca: “a perda de trabalho que afeta tantos irmãos e irmãs e tem aumentado nos últimos meses devido à pandemia de Covid-19, deve ser um apelo a revermos as nossas prioridades. Peçamos a São José Operário que encontremos vias onde nos possamos comprometer até se dizer: nenhum jovem, nenhuma pessoa, nenhuma família sem trabalho!” (Papa Francisco, Patris Corde). Como última qualidade, São José é pai na sombra, ou seja, assumiu a paternidade como serviço e não como propriedade. Pai que abraçou a verdadeira missão de cuidar do filho para a liberdade, para a autonomia, não o tendo como posse. Amou Jesus e Maria com um amor casto, que significa amor que ultrapassa todo desejo de ser dono do outro, um amor profundamente livre. No fundo, José sabia que, de fato, só há um Pai, o que está no céu (Cfr. Mt 23, 9). Por isso, ele nos apresenta “a paternidade que renuncia à tentação de decidir a vida dos filhos, sempre abre espaços para o inédito. Cada filho traz sempre consigo um mistério, algo de inédito que só pode ser revelado com a ajuda dum pai que respeite a sua liberdade” (Papa Francisco, Patris Corde). Assim sendo, São José muito nos inspira na mudança de época que vivemos. Em meio a tantas chagas humanas e ambientais, ele nos ensina a assumir nosso lugar de cuidadores da vida, mas não de donos; de servidores, não de senhores. Isso quer dizer que devemos buscar o rosto de Deus nos escombros de nosso tempo. A graça divina, que nos faz sonhar novos sonhos, interpela-nos desde as realidades mais feridas. Para isso, o coração deve hospedar um jeito terno de ser aprendiz. Somos limitados e nem sempre sabemos o rumo a seguir, mas o Espírito nos sustenta na fidelidade criativa. Muitas coisas precisam ser reinventadas e necessitamos de prontidão para cuidar, encontrar caminhos. Por fim, como esse pobre carpinteiro foi chamado a ser guardião do Filho de Deus, ele também nos inspira, hoje, a cultivar a semente divina que mora no coração ferido da humanidade, com honestidade, sonhos e trabalho. Com isso, estaremos combatendo a arrogância que violenta o outro e a natureza em nome de interesses egoístas, assumindo a pedagogia do amor paciente que é capaz de educar para a cultura da vida. E seremos instrumentos discretos, mas afinados, nas mãos do Pai que tudo rege nesse universo de tantas sinfonias.
Dom Vicente Ferreira Bispo Auxiliar de Belo Horizonte (MG)
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